09 abril 2010

Prova de leitura

Sírio Possenti - De Campinas (SP)

Não sou jornalista. Só leitor. Nunca trabalhei numa redação. Não tenho a menor ideia sobre a possibilidade de o comando de um jornal ou de uma revista se reunir e decidir explicitamente ser parcial. Muito menos sei se podem ocorrer eventos como um grupo político - ou seus representantes, portadores de material sonante - reunir-se com donos de meios de comunicação para desenhar estratégias, sugerir notícias e silêncios, especialmente em períodos eleitorais. Em suma: comprar ou alugar um jornal ou revista.

O que sei, o que dá para ver muito claramente, é que é óbvio que os tais "meios" tomam partido, na prática. Não é que eles passem a mentir, mas eles escondem pedaços dos eventos, ou os apresentam privilegiando claramente um ponto de vista. Por exemplo, a ISTOÉ do dia 7/4/2010 mostrou apenas fotos de personalidades sonolentas na despedida de 10 ministros. Fato? Certamente. Mas, querendo (ou podendo), deve ser possível mostrar jornalistas com o dedo no nariz.

Vou apresentar sem comentários - acho que não são necessários - duas duplas de manchetes de sábado, dia 2/4/2010, de dois jornais paulistas. Tratando da decisão de Meirelles de permanecer no BC, a Folha de S. Paulo publicou o seguinte título na primeira página: "Sem chance na chapa de Dilma, Meirelles decide que fica no BC". A manchete do Estado sobre o mesmo fato era "Sem apoio do PMDB Meirelles desiste de eleição e fica no BC". Diferentes? No escopo, apenas.

Noticiando declarações de Marina Silva, os dois jornais estão ainda mais diferentes entre si. A Folha deu a seguinte manchete: "Lula virou refém do PMDB, afirma Marina". Segundo o texto da notícia que o jornal publica abaixo da manchete, ela disse isso e também que, no governo FHC, o PSDB quis governar sozinho e ficou refém do DEM. Este último pedaço ficou fora da manchete. No Estado, o mesmo pronunciamento foi anunciado assim: "Marina prega diálogo de PT e PSDB". Diferentes? Como água e lama.

As matérias dos dois jornais são muito parecidas. Ou seja: eles sabem fazer jornalismo, quando querem.

Lendo as duas notícias - sim, as duas - fica bastante claro qual era a questão relevante do pronunciamento de Marina Silva. Para ela, certa ou não, não importa, o fato de o PT ser refém do PMDB e de o PSDB ter sido refém do DEM (então PFL) é o argumento que justifica sua tese: esses dois partidos não podem mais continuar na mesma rota. Ambos devem mudar, dialogar entre si. Opinião dela, que as matérias informavam adequadamente.

A questão me interessa por mais de um motivo. Como cidadão, porque me permite ter opiniões melhores ou menos boas sobre certos defensores da liberdade total (que eles querem ter de alugar suas cabeças). Como estudioso de questões de texto / discurso, porque manchetes, "olhos" e outras formas de intromissão de "alguém" nos textos são guias de leitura. Muitos cidadãos, mas também muitos senadores, só lêem as manchetes. Sem contar que elas são replicadas mundo afora no lugar dos textos. Estes recursos estão para matérias de jornais e revistas como as orelhas para os livros: são lidos no lugar dos textos.

Assim, surgem questões interessantes: por exemplo, quem disse mesmo o que está na manchete? Se o que está na manchete é apenas parte do que foi dito, corresponde à verdade? É uma informação decente?

Obviamente, uma manchete não pode ser igual ao texto que encabeça. É então que se pode descobrir o valor do jornal, é aí que o jornalismo pode ser colocado em xeque (talvez em cheque).

Se um aluno, em um hipotético teste de leitura baseado em uma só questão, tivesse que responder sobre a declaração de Marina e assinalasse a opção da Folha, seria reprovado. Ah, sim, sou radicalmente avesso ao controle dos meios de comunicação. Mas constato diariamente que eles são controlados.

Terra

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