01 abril 2008

O fantasma barbudo

Nirlando Beirão - Carta Capital num. 0489 31/3/2008

Nelsinho Motta nasceu para a vida, quer dizer, para a mídia, como minidiscípulo de outro Nelson, o Rodrigues. Desviou-se para a crítica musical e hoje pontifica na condição de Norberto Bobbio da Farme de Amoedo. Em artigo recente, denuncia que a esquerda está viva e atuante no Brasil. Mas o editorialista se recusa a admitir, a não ser entre aspas, a existência de uma direita. A direita é uma ficção criada por essa traiçoeira esquerda: “O que seria dos zé-dirceus se não fosse a ‘direita’?” – argumenta.

Essa “direita” entre aspas, que não existe, pode se preparar para perder algumas noites de sono. A esquerda, ainda que acachapada pelo triunfo do turbocapitalismo e pela imposição do consenso hegemônico, começa a botar suas manguinhas de fora. Meio por acaso – o que torna o fenômeno mais preocupante ainda.

Bastou a editora Boitempo – que tem na logomarca uma tonalidade de vermelho que não deve ser uma menção ao Manchester United – anunciar um seminário sobre Marx e Engels para os pós-bolcheviques nativos se esgueirarem para fora de suas tocas conspiradoras.

Em uma semana, apareceram 1,5 mil interessados. O curso, que começou esta semana, teve de se mudar do auditório da PUC-SP para o Anhembi das superconvenções.

Dá para arriscar duas explicações, contraditórias entre si, para essa inesperada pororoca subversiva. A primeira seria a de que o comunismo morreu, sim, mas o espectro de Marx ainda assombra o mundo, seduzindo os bobinhos e incomodando os democratas. A outra: na verdade, quem saiu correndo para reservar seu lugar ao pé de Marx e de Engels foi aquela direita profissional que Nelsinho Motta diz que não existe – mas que só se legitima (e legitima seus cachês, seus salários, seus copyrights) se tiver uma esquerda, ainda que fictícia, em seus calcanhares.

Aproveitando a deixa do Nelsinho: o que seria da direita se não fossem os zé-dirceus?

Nenhum comentário: