22 março 2008

O ministro Barbosa e o anúncio da ‘Veja’

CARLOS LOPES

Imaginem, leitores, um cidadão respeitável, de reputação ilibada e caráter sem jaça, de repente aparecer na televisão, fazendo propaganda de um prostíbulo. Para piorar, não um prostíbulo de luxo, desses que os governadores americanos gostam, mas um daqueles bem sórdidos, fedorentos e devassos.

Seria ou não o fim da picada? Mas, e se além de cidadão hipoteticamente respeitável, de hipotética reputação ilibada e de hipotético caráter sem jaça, esse hipotético portento das virtudes cívicas for um ministro do Supremo Tribunal Federal, ou seja, um dos 11 magistrados que constituem o Olimpo da Justiça, a Távola Redonda da Constituição, a Congregação dos Templários da Ordem Legal?

Ora, direis, perdeste o senso... Sem dúvida, se não estamos sendo vítimas de uma alucinação, o bordel em questão deve ter se aproveitado indevidamente da imaculada aura ética do cidadão, roubado sua imagem e tentado assassinar a sua impoluta celebridade. Não é lógico? Claro, só pode ser isso.

No entanto, veja o amigo leitor o que ocorreu com o ministro Joaquim Barbosa. Subitamente, os telespectadores viram a sua aparição num comercial da... “Veja”. Da “Veja”? Sim, da “Veja”. Não, não era um comercial do desinfetante “Veja”, que elimina germes e bactérias. Era da imunda revistinha, mesmo. Aquela do “jornalismo de esgoto” - como já dizia o Nassif –, da chantagem, da mentira por atacado, da difamação sem peias, da falsificação de fatos e notícias; em suma, o mais depravado órgão de imprensa no país, desde que a revista “Escândalo” foi fechada, há mais de 40 anos.

Como qualquer lupanar do último rincão desta terra é menos corrupto e menos fétido do que a “Veja”, vários telespectadores entraram em perplexidade, alguns até socorridos no pronto-socorro, acometidos que foram de grave estupor catatônico, pois estavam acostumados a pensar no STF como um viveiro de Águias e Condores voando pelas cordilheiras do nosso Direito.

Nós aqui esperávamos que o ministro Barbosa entrasse com um processo contra a “Veja”, por utilizar de forma aleivosa a sua imagem. Sobretudo considerando o conteúdo do comercial, um panfleto sensacionalista contra o governo (por sinal, o mesmo que elevou Barbosa ao STF), uma difamação a personalidades sobre as quais o ministro terá que se manifestar, pois é relator no processo do mal chamado “mensalão” (um aborto parido, precisamente, pela “Veja”).

Porém, qual não foi nossa surpresa ao lermos a resposta de Barbosa ao jornalista Paulo Henrique Amorim, que perguntara ao astro da toga se ele havia autorizado “Veja” a usar sua imagem: “respondeu por meio de seu chefe de gabinete Marco Aurélio Lúcio o seguinte: ‘O Ministro Joaquim Barbosa autorizou a revista Veja a usar a foto’ “.

Recentemente, a “Veja” publicou uma daqueles repugnantes tentativas de envolvimento, tendo como alvo o ministro Barbosa. Era intitulada: “Nunca houve um ministro como ele”. Infelizmente, ao invés de sentir engulhos, Barbosa não parece ter percebido que “Veja” tem por ele consideração menor – bem menor - do que os senhores de escravos tinham pelos semoventes de sua propriedade. Esqueceu, inclusive, as lições de outro Barbosa aos magistrados: “Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados; como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito. (....) A ninguém importa mais do que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer cobardia” (Ruy Barbosa, “Oração aos Moços”, 1920).

Não está à altura de um ministro do STF servir como garoto-propaganda de um antro corrupto de achacadores. Mas talvez o ministro não tenha prestado muita atenção. Permita-nos, então, data maxima venia, lembrar mais um ensinamento do outro Barbosa: “A difamação pela publicidade irresponsável dos apedidos, no jornalismo brasileiro, figura o alcoice [bordel] agregado à casa de família. (....) Figura-nos um estabelecimento, em cujo sobrado se pratique o culto do lar, enquanto no pavimento inferior se negocia a crápula em benefício dos donos da casa, cônjuges exemplares, excelentes pais, cidadãos austeros. É a Vênus vaga entretendo a hipocrisia da castidade da matrona: a marafona sustentando a vestal.” (Ruy Barbosa, 1900, Obras Completas, V. 27, t. 5).

2 comentários:

Anônimo disse...

Glória, excelente o texto. É uma vergonha um ministro so STF passar por um papel ridículo deste.Pior, na Veja, que tem como acionistas africanos racistas.

Anônimo disse...

E ministro, todos nós vimos que seu comportamento no caso do "mensalão" (inventado por essa mesma revistinha e que até hoje não foi provado) não era normal. Nossa, estamos num mato sem cachorro com esse judiciário.