08 junho 2012

Gilmar Mendes, juíz da Suprema Corte, conhece e estima os alemães, mas os considera pouco flexíveis e tolerantes

por Wolfgang Kunath para o Berliner Zeitung (tradução: Glória Leite)

BRASÍLIA. A maioria dos escritórios já estão escuros, fora os porteiros noturnos quase ninguém mais trabalha no prédio de vidros coberto por um imenso teto plano apoiado por elegantes e iluminadas colunas brancas.

Os onze juízes do Supremo Tribunal Federal do Brasil têm o privilégio de trabalhar em um edifício do grande arquiteto Oscar Niemeyer, diretamente na praça dos Três Poderes em Brasília: do outro lado da rua se encontra a residência oficial da Presidenta e à esquerda a torre do parlamento.

Há trinta anos, o jovem diplomata Gilmar Mendes trabalhava em Bonn, e ninguém - provavelmente nem mesmo ele - naquele momento pensou que um dia ele se tornaria presidente do Supremo Tribunal e poderia trabalhar num prédio de arquitetura clássica. Ele permaneceu em Bonn até 1982; seu currículo oficial registra que na época ele foi condecorado com a Cruz do Mérito.

Final dos anos oitenta, ele voltou uma segunda vez, desta vez, a fim de obter um doutorado em Münster, sob a orietação do renomado jurista Hans-Uwe Erichsen. Ele nunca parou de ter contato com a Alemanha. Está sempre viajando para lá, mantém relações com a embaixada alemã, assim como com a Associação Brasil-Alemanha de Advogados, ainda fala alemão corretamente. Seus filhos, diz ele, podem falar „perfeitamente“.

A conversa sobre a imagem que Gilmar Mendes faz da Alemanha começa, é claro, com uma comparação entre o sistema jurídico alemão e brasileiro. O Direito civil alemão já serviu como modelo para o Brasil em 1916, diz Mendes, e a jurisprudência alemã "foi sempre uma presença forte no Brasil." Oh, Jesus – sempre?

Teriam as Constituições brasileiras de 1934 e 1937 algo do espírito alemão da época? "A de '34 foi semelhante à de Weimar, mas a de '37 que chamamos "a Polaca", a Polonesa, imitava o modelo autoritário do Marechal Pilsudski", responde Mendes. Em 1988, quando o Brasil, após duas décadas de ditadura militar, escreveu a sua Constituição que vigora hoje, foi "a Lei Fundamental alemã um modelo importante - essa influência é muito evidente"

Mendes desaparece por um curto momento da gigante sala de reuniões e retorna com um livro bastante usado. "O controle abstrato de constitucionalidade perante o Tribunal Federal Constitucional e o Supremo Tribunal Federal brasileiro" - sua dissertação em Münster. Os princípios fundamentais do governo e os direitos gerais do cidadão, a estrutura clara da parte de legislação, de 1988 - leva Mendes de volta à influência alemã.

Mas então por que a Constituição do Brasil é três vezes mais longa que a Constituição alemã? "A Constituição alemã não diz nada sobre os direitos sociais, mas para nós devem estar claros na Constituição", disse Mendes, "o que para nós juízes complica nossas vidas. Porque, se o salário mínimo tem status constitucional e ao mesmo tempo serve para estabelecer o sistema de segurança social, então a Corte Suprema tem que lidar constantemente com isso, o que na Alemanha é negociado nas cortes inferiores.”

Juízes reconhecem culpa, punem - como fazem os alemães com a sua culpa histórica? "Isso é um tema sem fim, e eu me impressiono com o senso de responsabilidade, como os alemães tratam o tema", respondeu ele, e depois de uma breve pausa, em que tudo pode ter passado por sua cabeça, que certamente nem todos os alemães são responsáveis, ele acrescenta: "Mas eu não diria que hoje em dia a Alemanha se ocupe demais com esse tema."

"Precisamos sempre processar esse tempo", diz ele, e toca brevemente sobre a época da ditadura militar no Brasil, fala sobre o não tão animado debate em curso sobre os torturadores da época, e em seguida acrescenta que as condições são totalmente incomparável - e volta-se para a posição do advogado: "A Contituição alemã foi concebida como anti-Weimar , como uma prevenção contra o autoritarismo". Amigos alemães seus, acrescenta, veem no debate sobre o passado nazista "um certo exagero, como se fosse uma auto-tortura”.

Mas "como mero observador nada posso dizer." Essa timidez contrasta com a posição do juiz da Suprema corte em público. Mendes e os seus dez colegas estão constantemente nos jornais, tomemos os casos em que até mesmo se agridem, bem diferente do terceiro poder alemão, em que os juízes são praticamente desconhecidos do público e que falam à mídia somente em situações especiais. Mendes, pelo contrario, é controverso.

Quando foi nomeado para a Suprema Corte em 2002, um proeminente advogado de esquerda escreveu, Mendes é um "risco para a proteção da lei, para o combate à corrupção." E quando ele acusou o financiamento público do Movimento dos Sem-Terra como ilegítimo, porque os seus membros atuam usando métodos ilegais, foi considerado tendencioso - Mendes é proprietário de uma próspera escola privada, o que o torna um empreendedor bem-sucedido, como também é grande platifundiário.

Porque é que um juiz da Suprema Corte do Brasil, ao contrário, da Alemanha, permanece no centro das atenções? A resposta soa como uma desculpa: Os juízes no Brasil estão desde 1988 acostumados à franqueza. E acrescenta ao ser perguntado, que ele não é apenas um juiz federal, mas também chefe da administração da justiça e, portanto, muitas vezes criticado. Assim como ele considera um "mito" a afirmação de que os brasileiros trabalham pouco, ele está convencido de que os alemães criaram o mito de que são disciplinados e competentes. "Eu estava na Alemanha em 1989, lembro-me que os alemães do leste foram criticados após a reunificação por trabalharem pouco."

No Instituto de Munster é tudo muito eficiente, mas por outro lado, "os alemães não são muito flexíveis. Às 18 horas termina o espediente." A cordialidade é uma disposição atribuída ao carácter brasileiros, que os torna orgulhosos – como é isso na Alemanha? "Na Renânia-Vestfália já se nota um certo frio já, mas no sul da Alemanha as pessoas se expressão diferente", diz Mendes. Na rotina do dia-a-dia nota-se "um certo grau de impaciência e intolerância".

Quando, por exemplo? "Oh, quando repreendem, quando a música está alta", diz Mendes - uma observação que é tão típica para os brasileiros como para os alemães no Brasil, que dizem que os brasileiros são muito alto. A maneira muita direta dos alemães se expressarem, coisa que os brasileirospreferem sussurar, também é comentada; os estudantes brasileiros se queixam constantemente. Ele diz que ele e sua família experienciaram porém “muita ajuda, muita solidariedade" - o proprietário do seu apartamente preferia inquilinos estrangeiros. No entanto, "a diferença entre conhecido e amigo é muito clara na Alemanha." E algo negativo? "Ah", diz ele casualmente, "Eu não vivo na Alemanha há tanto tempo que já esqueci."

Oktoberfest e Mercedes estereótipos: Segunda Guerra Mundial e reunificação alemã, cerveja, salsichas e chucrute, castelos ao longo do Reno, belas paisagens, pontualidade e paixão pela ordem, honestidade e responsabilidade, cabelos loiros e olhos azuis, marcas de carros como Mercedes, BMW ou Volkswagen – é associado também a outros conhecidos países.

Claro, também pertence a essa lista futebol e Beckenbauer. Muitas pessoas pensam que ao invés de Berlim, Munique é a capital alemã, e calças de couro é a típica roupa alemã. Acima de tudo, a Oktoberfest. Em 1984, descendentes alemães criaram na cidade de Blumenau, no sul do país, um cópia da Oktoberfest bávara. Desde então, a coisa se repete: cerveja e bandas Humptata da cultura alemã. Segundo estatísticas oficiais, desde então, a Oktoberfest em Blumenau mais de 16 milhões de visitantes beberam cerca de dez milhões de litros de cerveja.

Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/gilmar-no-berliner-zeitung

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