Publico a carta aberta de Carlos Moura (aposentado, fotógrafo,
redator de jornal de interior, sócio de uma pequena editora de livros
clássicos e coordenador da Ação da Cidadania em Além Paraíba-MG) para o
jornalista de “O Globo” Ricardo Noblat.
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Noblat
Quem é você para decidir pelo Brasil (e pela História) quem é
grande ou quem deixa de ser? Quem lhe deu a procuração? O Globo? A Veja?
O Estadão? A Folha?
Apresento-me: sou um brasileiro. Não sou do PT, nunca fui. Isso
ajuda, porque do contrário você me desclassificaria, jogando-me na lata
de lixo como uma bolinha de papel. Sou de sua geração. Nossa diferença é
que minha educação formal foi pífia, a sua acadêmica. Não pude sequer
estudar num dos melhores colégios secundários que o Brasil tinha na
época (o Colégio de Cataguases, MG, onde eu morava) porque era só para
ricos. Nas cidades pequenas, no início dos sessenta, sequer existiam
colégios públicos. Frequentar uma universidade, como a Católica de
Pernambuco em que você se formou, nem utopia era, era um delírio.
Informo só para deixar claro que entre nós existe uma pedra no
meio do caminho. Minha origem é tipicamente “brasileira”, da gente
cabralina que nasceu falando empedrado. A sua não. Isto não nos torna
piores ou melhores do que ninguém, só nos faz diferentes. A mesma
diferença que tem Luis Inácio em relação ao patriciado de anel,
abotoadura & mestrado. Patronato que tomou conta da loja desde a
época imperial.
O que você e uma vasta geração de serviçais jornalísticos
passaram oito anos sem sequer tentar entender é que Lula não pertence à
ortodoxia política. Foi o mesmo erro que a esquerda cometeu quando ele
apareceu como líder sindical. Vamos dizer que esta equipe furiosa,
sustentada por quatro famílias que formam o oligopólio da informação no
eixo Rio-S.Paulo – uma delas, a do Globo, controlando também a maior
rede de TV do país – não esteja movida pelo rancor. Coisa natural
quando um feudo começa a dividir com o resto da nação as malas repletas
de cédulas alopradas que a União lhe entrega em forma de publicidade.
Daí a ira natural, pois aqui em Minas se diz que homem só briga por duas
coisas: barra de saia ou barra de ouro.
O que me espanta é que, movidos pela repulsa, tenham deixado de
perceber que o brasileiro não é dançarino de valsa, é passista de samba.
O patuá que vocês querem enfiar em Lula é o do negrinho do pastoreio,
obrigado a abaixar a cabeça quando ameaçado pelo relho. O sotaque que
vocês gostam é o nhém-nhém-nhém grã-fino de FHC, o da simulação, da
dissimulação, da bata paramentada por láureas universitárias. Não
importa se o conteúdo é grosseiro, inoportuno ou hipócrita (“esqueçam o
que eu escrevi”, “ tenho um pé na senzala” “o resultado foi um trabalho
de Deus”). O que vale é a forma, o estilo envernizado.
As pessoas com quem converso não
falam assim – falam como Lula. Elas também xingam quando são
injustiçadas. Elas gritam quando não são ouvidas, esperneiam quando
querem lhe tapar a boca. A uma imprensa desacostumada ao direito de
resposta e viciada em montar manchetes falsas e armações ilimitadas
(seu jornal chegou ao ponto de, há poucos dias, “manchetar” a “queda”
de Dilma nas pesquisas, quando ela saiu do primeiro turno com 47% e já
entrou no segundo com 53 ) ficou impossível falar com candura. Ao
operário no poder vocês exigem a “liturgia” do cargo. Ao togado basta o
cinismo.
Se houve erro nas falas de Lula isto não o faz menor, como você
disse, imitando o Aécio. Gritos apaixonados durante uma disputa sórdida
não diminuem a importância histórica de um governo que fez a maior
revolução social de nossa História. E ainda querem que, no final de
mandato, o presidente aguente calado a campanha eleitoral mais baixa,
desqualificada e mesquinha desde que Collor levou a ex-mulher de Lula à
TV.
Sordidez que foi iniciada por um vendaval apócrifo de ultrajes
contra Dilma na internet, seguida das subterrâneas ações de Índio da
Costa junto a igrejas e da covarde declaração de Monica Serra sobre a
“matança de criancinhas”, enfiando o manto de Herodes em Dilma. Esse
cambapé de uma candidata a primeira dama – que teve o desplante de
viajar ao seu país paramentada de beata de procissão, carregando uma
réplica da padroeira só para explorar o drama dos mineiros chilenos no
horário eleitoral – passou em branco nos editoriais. Ela é “acadêmica”.
A esta senhora e ao seu marido você deveria também exigir “caráter, nobreza de ânimo, sentimento, generosidade”.
Você não vai “decidir” que Lula ficou menor, não. A História não
está sendo mais escrita só por essa súcia de jornais e televisões à
qual você pertence. Há centenas de pessoas que, de graça, sem soldos de
marinhos, mesquitas, frias ou civitas, estão mostrando ao país o outro
lado, a face oculta da lua. Se não houvesse a democracia da internet
vocês continuariam ladrando sozinhos nas terras brasileiras, segurando
nas rédeas o medo e o silêncio dos carneiros.
Carlos Torres Moura
Além Paraíba-MG
Um comentário:
Borduna certeira
Parabéns para Carlos Torres Moura, autor dessa carta aberta dirigida ao "jornalista" do pignews, Ricardo Noblat. Foi uma tacada certeira, uma bordunada pra ninguém botar defeito, um belo texto, muito bom e acima de tudo verdadeiro. Concordo em gênero, número, grau e radiano.
Chico Barauna
25-05-2012.
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