05 abril 2012

Günter Grass: "Eu não me calo mais, porque estou farto da hipocrisia do Ocidente".

Deutsche Welle

Escritor alemão Prêmio Nobel de Literatura tematiza o conflito entre Israel e o Irã e cria polêmica ao afirmar que Israel põe em risco a paz mundial. Críticos veem antissemitismo nas afirmações do escritor.

Não é sempre que uma obra lírica de um escritor alemão ganha espaço na imprensa internacional. Aos 84 anos, o Prêmio Nobel de Literatura Günter Grass conseguiu tal façanha. Nesta quarta-feira (04/04), o poema de sua autoria intitulado Was gesagt werden muss (O que precisa ser dito, em tradução livre) foi publicado pelo jornal Süddeutsche Zeitung e ganhou destaque no italiano La Repubblica e no The New York Times.

No texto – uma declaração política que provocou furor e debates acalorados – Grass tematizou a instável situação entre Irã e Israel e uma possível ameaça de guerra entre os dois países. Ele colocou a dura crítica feita contra o lado israelense sob a forma de um texto lírico porém pouco poético.

Segundo o autor, Israel assume o direito de um primeiro ataque nuclear com o objetivo de "extinguir o povo iraniano". Por outro lado, no Irã, há apenas a suspeita da construção de uma bomba atômica. "Por que eu digo apenas agora, envelhecido [...]: o poder de Israel ameaça a frágil paz mundial?", diz uma passagem do poema.

Grass afirma também que Israel rejeita que suas instalações nucleares sejam inspecionadas – um fato que o mundo deixa passar em silêncio, uma "mentira prejudicial" à qual ele não quer mais se sujeitar. Justamente agora, quando "mais um submarino deverá ser fornecido à Israel pela Alemanha". "Eu não me calo mais, porque estou farto da hipocrisia do Ocidente".

O escritor opõe-se ao fato de a crítica a Israel ser muitas vezes igualada ao antissemitismo. Ele fala do passado alemão, dos crimes cometidos em nome da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial – uma "mácula" que torna difícil dizer certas verdades. Ao mesmo tempo, expressa solidariedade para com Israel.

Rejeição e aprovação

Não faltaram reações às provocantes teses no poema de Grass. O jornalista e escritor alemão Henryk M. Broder chama o poeta de antissemita. "Grass sempre teve um problema com os judeus, mas ele nunca o havia articulado de maneira tão clara como nesse poema", diz. Decepcionado e abalado, o também jornalista e escritor Ralph Giordano classifica o texto como um "ataque à existência de Israel".

O historiador e diretor do Centro de Estudos Judeus Moses Mendelssohn da Universidade de Potsdam, Julius Schoeps, acusa Grass de parcialidade. "O poema não é um mero acaso, mas sim conscientemente montado e conscientemente inserido na mídia", considera. Para ele, é inaceitável o que o escritor alemão atribui ao israelenses.

Também no âmbito político houve reações. Hermann Gröhe, secretário-geral da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão), se disse horrorizado com o tom e o direcionamento do poema. Ruprecht Polenz, também da CDU, considera Grass um grande escritor, mas diz que dessa vez ele se excedeu. Para o político, é errado culpar Israel, pois o país realmente preocupante é o Irã.

Grass recebeu duras críticas após publicação de 'Nas peles da cebola', em 2006

A Embaixada israelense na Alemanha também se manifestou. Falou em preconceitos antissemitas e afirmou que Israel seria o único Estado no mundo cujo direito de existir é desafiado abertamente.

Há, entretanto, quem concorde com Grass. Assim como o Prêmio Nobel, Johano Strasser, presidente da associação de escritoresPEN na Alemanha, por exemplo, alertou para as exportações de armas da Alemanha para Israel, cujo governo propaga a ideia de que uma guerra contra o Irã é inevitável.

Autoridade moral

O debate foi acendido não somente por causa das provocantes afirmações do poema, mas também por conta da biografia do escritor alemão conhecido mundialmente. Grass sempre foi um autor politicamente engajado. Nos anos 1960, fez campanha pelo Partido Social Democrata (SPD). Mais tarde, saiu do partido, mas continuou se manifestando sobre temas sociais. Por isso, lhe foi atribuída a aura de "autoridade moral".

Em 2006, ao publicar o livro autobiográfico Beim Häuten der Zwiebel (Nas peles da cebola, na tradução brasileira) Grass admitiu ter sido membro da tropa de elite nazista SS aos 17 anos. O fato rendeu duras críticas ao autor, que sempre havia abordado o passado nazista de maneira crítica. A integridade moral do escritor foi abalada.

"Estamos lidando com o problema envolvendo os membros da chamada geração Flakhelfer [jovens alemães utilizados como soldados durante a Segunda Guerra Mundial]. E ele veio à tona novamente com um homem de 84 anos. Eu me envergonho por Grass. Seria melhor ele ter ficado calado", considera o historiador Schoeps.

Autora: Cornelia Rabitz (lpf) Revisão: Carlos Albuquerque

2 comentários:

Luiz Mário de Melo e Silva disse...

O que é a verdade? Como encontrá-la? Estas são perguntas que a humanidade se faz para tentar viver num mundo sempre em mudanças. Um mundo melhor. Mas o que se vê é a corrupção, a mentira imperandos. Daí que, não é a verdade que muda o mundo e sim a mentira quando descoberta porque causa revolta e coloca em movimento a sociedade. Ou seja, ninguém suporta ser enganado. E essa é uma experiência que é solidamente confirmada por pessoas de elevada idade. Portanto, se houver uma verdadeira revolução, ela virá por meio de todos aqueles que, de alguma forma, foram enganados. Como faz jovem revolucionário de 84 anos.

Sinderlei Serra disse...

Muito bem posto o comentário anterior, pois é difícil mudar a opinião pública, mesmo que ela esteja errada. Aí toda a manifestação da maioria dos formadores de opinião é a favor desta opinião uma vês que tendem sempre a manter seus status quo, não importando, portanto, se é verdadade ou mentira. São poucos os que se lixam com a opinião pública para questionar as "verdades" confirmadas pela ciência falimentar.

Sinderlei