Mauro Santayana
A história política da Europa sempre se decidiu entre os franceses, os ingleses e os alemães, com eventuais – além das mais antigas – intervenções das duas penínsulas, a itálica e a ibérica.
O quadro se repete agora, com as eleições francesas. O que se decidir no segundo turno da disputa irá influir no destino imediato da União Européia. Uma análise lógica do momento político avalia a esperança da esquerda: dificilmente Sarkozy conseguirá virar o jogo e derrotar Hollande. Não é certo que os eleitores da senhora Le Pen descarreguem todos os seus sufrágios no nome do atual presidente.
À parte o voto ideológico, que não é decisivo, a extrema direita francesa tem algumas das mesmas queixas da esquerda, diante do governo, hesitante na condução da crise econômica, incapaz de combater o desemprego e amenizar a ansiedade da classe média.
Há um ponto forte que une a extrema direita e a esquerda na França – e de resto, em toda a Europa: o combate aos banqueiros. A extrema direita tem incluído os banqueiros no rol de seus inimigos e, de maneira equivocada, confundindo o sistema financeiro com os judeus. Como se sabe, em conseqüência das circunstâncias históricas e das restrições que lhes foram impostas, os hebreus se viram obrigados a negociar com o dinheiro, e coube a poucas de suas famílias fundar e administrar alguns dos maiores bancos da História. Mas isso não os faz os responsáveis pelas falcatruas cometidas em Wall Street, onde predominam nomes anglossaxões, alguns mais saxões do que ingleses.
Como as eleições se decidem mais pela emoção do que pela razão, é difícil desfazer o imaginário popular – o que faz de parcelas alienadas do proletariado, em alguns momentos, o grupo social que decide as eleições, votando, errado ou certo, na bandeira adversária. Sendo assim, provavelmente a esquerda ganhará as eleições. Espera-se que ela saiba atuar com a inteligência que faltou às frentes populares, que ganharam as eleições de 1936, tanto na França quanto na Espanha, e que abriram os dois grandes países à tragédia política que se seguiu. Nos dois casos, a esquerda se perdeu, ao perder-se a presença moderadora do centro político.
Foi assim que, menos de dois anos depois, ainda que o parlamento continuasse o mesmo até 1940, a direita se infiltrou no governo, que, com Daladier no lugar de Blum, desfez todas as medidas em favor dos trabalhadores. Em conseqüência, em muitos subúrbios operários de Paris, a extrema direita ganhou seus adeptos – o que debilitou a resistência nacional diante da invasão alemã, levando à vergonhosa capitulação de Pétain e Laval.
Na Espanha, com a razão política exacerbada nos extremos e o malogro dos políticos do centro, as eleições de janeiro de 1936, que levaram a esquerda à vitória, mobilizaram a extrema direita dos meios militares, com o levante dos quatro generais fascistas e a brutalidade da guerra civil espanhola. Os trabalhadores, envolvidos na tragédia, morreram, de um lado e de outro: uns defendendo a República e outros, envenenados pela propaganda clerical e falangista – na ilusão de que defendiam Deus e a Nação.
Com a ajuda da Itália e da Alemanha e a acovardada posição de neutralidade da França e da Inglaterra, Franco venceu e governou o país com a abrutalidade conhecida, durante quase 40 anos.
As situações não se repetem de forma idêntica na História, mas há coincidências alarmantes entre 1936 e 2012. Em 1936, a Europa se encontrava no meio da crise econômica dos anos 30, provocada pela terrível desigualdade social dos anos 20 que se prolongava no continente. Essa desigualdade fora determinada pela acumulação cruel do capital financeiro na globalização liberal do período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial.
A crise econômica e social promovera a xenofobia e o anti-semitismo, em toda a Europa, e o surgimento de governos de direita em outros países, além da Itália, da Alemanha e da Espanha.
Os judeus dos anos 30 foram substituídos, no ódio racista, pelos muçulmanos de hoje. Embora o ódio anti-semita permaneça latente, não se caçam mais judeus, mesmo porque o governo de Israel, conduzido por direitistas, é um importante aliado contra a esquerda na Europa contemporânea. Os mestiços, e não só árabes, pagam em dobro pela estupidez do racismo.
Por tudo isso, é preciso ver a situação com cauteloso ceticismo. Derrotado Sarkozy, como se prevê, ou vitorioso seu grupo, com o apoio da senhora Le Pen, a situação continuará delicada, até que a crise econômica seja vencida por uma política de intervenção decidida dos estados na economia e na questão social. Se isso não ocorrer, todos os presságios são inquietadores.
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