Amorim rebate críticas e defende general do Exército
Em resposta aos seus críticos militares, o novo ministro da Defesa, ex-chanceler Celso Amorim, provoca: "Você não pode fazer das Forças Armadas uma coisa partidária nem para a esquerda, nem para a direita".
Em entrevista no novo gabinete, Amorim, 69, disse que o comandante do Exército, general Enzo Peri parece uma pessoa "não apenas ilibada, mas até um asceta".
Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), como a Folha revelou na terça-feira, diz que Enzo favoreceu firmas ligadas a militares ao dispensá-las de licitação entre 2003 e 2007.
Folha - Quem convidou o sr. a presidente Dilma ou o ex-presidente Lula?
Celso Amorim - A presidente Dilma, claro. Fui sendo prevenido aos poucos, ela me ligou poucos minutos antes do anúncio, e eu só falei com o presidente Lula no domingo, depois de conversar pessoalmente com ela.
Folha - O sr. tinha mágoa de não ter sido convidado para nada por ela na troca de governo?
Mágoa nenhuma. Sou a favor da renovação e eu não podia querer me perpetuar num cargo ou disputar outro. Já tinha até alugado apartamento em Brasília para o depois. Essa coisa de que não nos damos bem é do imaginário. Ao contrário, nós nos damos excelentemente bem.
Folha - O seu nome foi cogitado para a Defesa quando o ministro Waldir Pires caiu e depois no início do governo Dilma. O sr. tinha a expectativa de assumir a pasta?
Nunca tive essa expectativa, nem era uma aspiração, mas há uma relação óbvia entre as funções dos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa. Eu já considerava minha carreira de homem público completa, esperava ser professor, colunista, palestrante.
Folha - Aliás, o sr. mantém a crítica que fez na revista "Carta Capital" ao voto favorável do governo Dilma a um relator especial da ONU para apurar abusos contra Direitos Humanos no Irã?
Hoje, eu sou parte do governo e tenho de participar solidariamente das decisões do governo, e essa pasta pertence a outro ministro. Como intelectual independente, o que eu escrevi e disse claramente é que, se fosse eu, não teria tomado aquela atitude.
Folha - Uma das mais fortes críticas que oficiais militares fazem ao sr. é justamente a ligação com o Irã.
Nós nunca ficamos amiguinhos do Irã, e o Irã jamais foi uma prioridade da nossa política externa. O que foi uma prioridade, sim, num determinado momento, foi resolver um problema grave para o mundo que, aliás, continua existindo: o problema do programa nuclear do Irã. Como resguardar de um país ter um programa país e ao mesmo tempo resolver as desconfianças que havia? Tentamos viabilizar uma proposta dos países do Ocidente, a começar dos Estados Unidos, que depois mudaram de posição e acharam que não era mais assim. Mas a verdade é que tivemos estímulo deles. Ou seja: nunca houve uma aventura iraniana, como alguns querem fazer crer. Houve uma atitude independente e transparente nossa.
Folha - O sr. é "esquerdista"?
Esses rótulos, é melhor deixar os outros colocarem. Uns dizem que fui colocado pela presidente Dilma por ser nacionalista, o que agrada aos militares. Outros, que foi porque sou esquerdista, o que não agrada a eles. Mas, no Brasil, nacionalismo não é confundido com esquerdismo?
Folha - A presidente disse que o sr. é patriota. Como o sr. define esse conceito?
Nossa ideologia é a pátria e a Constituição. Fui sempre um profissional do interesse nacional. Uma coisa é você ficar trancado na sua casa, torcendo para o Brasil num jogo de futebol, o que é muito bom e todos nós fazemos isso. Mas outra é você ser um profissional do interesse nacional. Acho que sempre fui e de várias maneiras, em negociações comerciais, políticas, de segurança nacional. Você não descreve com palavras e sim com atitudes.
Folha - A brincadeira automática, depois que a presidente disse que o sr. é patriota é que o Patriota não é nenhum Amorim... Já disseram até que ele volta na prática a ser secretário-geral do Itamaraty.
Isso não tem nenhum sentido. Eu tenho muito o que aprender aqui na minha pasta, nem vou ter tempo para olhar para a dos outros. Eu e o Patriota trabalhamos juntos quinze anos e, desse susto, nem ele nem vocês morrem.
Folha - O sr. vai trazer diplomatas?
Não estou pensando nisso.
Folha - Vai trocar eventualmente algum comandante militar?
Não é minha intenção nem recebi nenhuma orientação nesse sentido, ao contrário.
Folha - Num dos seus artigos, o sr. também escreveu que não são satisfatórias as relações entre o poder civil e os militares e a responsabilidade por atos cometidos na ditadura. Como pretende avançar nos dois casos?
Não me recordo exatamente das palavras que usei nesse artigo, que era sobre como o Brasil pode ajudar na transição dos países árabes e comento o que ocorreu no Brasil, inclusive sobre as relações de civis e militares. Não é que eu disse que não são satisfatórias, mas que talvez algumas pessoas não vejam como satisfatórias. É uma constatação de um fato, mais do que um juízo de valor. Mas sei que a subordinação das Forças Armadas ao poder civil é clara e que a presidente Dilma exerce esse comando obviamente, e o ministro da Defesa é um instrumento dessa hierarquia.
Folha - Por que o sr. não fez nenhuma referência no seu discurso à Comissão da Verdade negociada entre civis e militares?
Fiz referências a Direitos Humanos, e acho que esse assunto, da Comissão da Verdade, está bem encaminhado. Acabei de chegar, hoje é meu primeiro dia de trabalho, e não tenho todas as respostas, mas tenho grande esperança de que a Comissão da Verdade possa ajudar a resolver essas questões. Vai ter algum reclamo de um lado e de outro? Não sei, mas sei que é uma boa base para aplainar a questão no futuro.
Folha - O sr. defende a responsabilização dos militares por atos cometidos na ditadura, como houve na Argentina, no Uruguai, no Chile?
Nem as situações que geraram os fatos nem as soluções foram idênticas. O mais importante é o restabelecimento da verdade. Acho que esse assunto está bem encaminhado. Se houver bom senso de todos os lados e uma boa articulação política, que cabe ao ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo, do PT], nós chegaremos a uma boa conclusão.
Folha - O general Augusto Heleno...
A quem aprecio, pelo bom trabalho que fez no Haiti e que eu acompanhei, porque nós trabalhamos juntos...
Folha -... disse que o comprometimento ideológico tem repercussão altamente negativa entre os militares. O sr. concorda?
Acho que você não pode fazer das Forças Armadas uma coisa partidária, mas acho que nem para a esquerda, nem para a direita, nem para o centro. Agora, patriotismo é patriotismo. Cada um interpreta a seu modo, e para isso nós temos a presidente da República, que é quem escolhe, quem decide e quem foi eleita pelo provo brasileiro.
Folha - E as reações de setores militares contra a escolha de um novo diplomata, depois da passagem do embaixador José Viegas pela Defesa?
Não fui escolhido por ser um diplomata. Fui ministro por nove anos e meio, no governo Itamar e nos oito anos do presidente Lula, e ministro é um cargo político. Estou assumindo um lugar novo que tem muitos desafios para mim, como teria para qualquer outro. Mas a gente aprende, se trabalhar com afinco e souber ouvir.
Folha - Vou lhe repassar uma pergunta que me foi feita por um oficial: e se fosse um general mandando no Itamaraty, os diplomatas iriam gostar?
Os diplomatas são muito disciplinados, a tradição era que os ministros não fossem da carreira e houve mesmo um que vinha da carreira militar, o general da reserva Juracy Magalhães. Então, o importante é ser patriota, ter humildade para ouvir e capacidade para decidir.
Folha - Se a gente somar tudo o que o sr. disse no seu discurso de posse sobre soldos, equipamentos, investimentos, o sr. vai precisar de muitos bilhões de reais, mas os tempos não são justamente de corte?
Bem, eu não vou resolver isso sozinho. O que eu disse é que vou me empenhar e que percebo uma sensibilidade grande da presidente para a Defesa.
Folha - Ela deu algum sinal de que vai descontingenciar recursos para facilitar sua chegada?
Acho que não seria correto eu falar sobre isso, mas certamente vou falar com os ministros da área econômica. Qual a solução? Quando será a solução? Não sei. Vamos ver. E a questão do investimento na indústria de defesa faz parte da solução, não do problema. Nos EUA, a empresa privada é responsável pelos investimentos em ciência e tecnologia, mas, ora, tudo por encomenda do Pentágono. Isso mostra a importância que a Defesa tem para a indústria, para o desenvolvimento, para os empregos, para a tecnologia de ponta. A aviação brasileira nasceu dessa forma.
Folha - E o outro lado da moeda? Boa parte, ou a maior parte, da responsabilidade da crise norte-americana é justamente pelos gastos na área militar.
Mas ninguém fala que vamos nos envolver em aventuras militares como os EUA se envolveram. Eles estão com duas a três guerras ao mesmo tempo.
*Folha - No domingo, antes mesmo da sua posse, mulheres de militares fizeram manifestação por aumento de soldos. Os comandantes lhe pediram isso na reunião do fim de semana?
Foi mais geral. Vamos esperar um pouquinho.
*Folha - E os caças, vêm ou não vêm?
Os caças terão que vir. Achava isso como ministro das Relações Exteriores e continuo achando agora como ministro da Defesa. Mas o momento exato ainda não dá para dizer.
Folha - Nisso, o sr. e o ministro Jobim combinam? Ambos querem os Rafale franceses?
Havia um problema de preços e toda uma discussão sobre transferência de tecnologia. Naquela época, no governo Lula, parecia que o que tinha mais condições de fazer essa transferência era o francês. Se ainda é, não sei, porque não acompanhei o desenrolar das discussões sobre isso e sobre uma renegociação de preços.
Folha - Naquele momento, o recuo não foi por causa de cortes no Orçamento, mas sim a chateação do presidente Lula porque o Sarkozy tirou o tapete do Brasil na discussão sobre Irã na ONU?
O presidente Lula disse isso para você? Para mim não disse...
Folha - Como fazer com o programa nuclear da Marinha, se não há dinheiro para mais nada?
A última visita interna que fiz como chanceler foi justamente a Aramar, até porque sempre fui um entusiasta do programa nuclear da Marinha. O Brasil tem de ter independência nessa área, ter capacidade de dominar o ciclo completo. Acho que vai ter recursos, sim. A presidente é nacionalista, patriota e sabe da importância de proteger os nossos recursos, principalmente agora com o pré-sal.
Folha - Como o Brasil, com uma dimensão continental, com Amazônia, pré-sal e água, não tem satélite até hoje? É possível falar em soberania?
São projetos que continuarão a ser desenvolvidos, em conjunto com o Ministério de Ciência e Tecnologia. Há sensibilidade para isso. Quanto à soberania, o mais importante é a atitude psicológica. Você tem de acreditar que é soberano. Você pode ter satélite, foguete, o que quiser, mas sem atitude sua soberania não vale nada. Se tiver atitude certa, vai ter o satélite certo, mas você pode ter o satélite certo e não ter a atitude certa.
Folha - E o acordo com os EUA para o uso da base de Alcântara, vai avançar?
Foi paralisado no Congresso Nacional e não se trata de questão ideológica. Não tem muito cabimento brasileiros não terem acesso a certos lugares dentro do território nacional. É uma questão de soberania inegociável.
Folha - O ministro Jobim e o sr. estabeleceram uma linha de distanciamento dos EUA, mas o chanceler Patriota faz uma linha de aproximação. Onde o sr. se encaixa agora?
Você faz uma pergunta com várias premissas que comportam discussão. O ministro Jobim até patrocinou, junto conosco, um acordo militar com os EUA... Não percebi nenhum distanciamento enquanto fui ministro. Acho que o ministro Patriota faz jus ao nome, e o ministro Jobim também agiu patrioticamente. O que nós temos que ver é o interesse brasileiro. Às vezes, será interessante fazer acordo com os EUA e, em outras, com outros países. Temos de ter a cabeça aberta. É preciso acabar com essa mania de que o que é a favor do Brasil é contra os EUA.
Folha - Por que o sr. defende a saída do Haiti?
Defendo uma saída gradual do Haiti, pois cumprimos bem nossa missão lá, quero dizer, as Forças Armadas cumpriram. Dizem que democracia é quando um presidente eleito passa o governo para um outro presidente eleito, e foi isso o que ocorreu lá. Então, é hora de discutir uma saída organizada, inclusive com as Nações Unidas, claro. Não sei se em agosto, dezembro, janeiro, não é o que importa. O que importa é como. Uma possibilidade é sair, mas deixando um batalhão de engenharia do Exército lá, por exemplo.
Folha - Por que o sr. citou especificamente a África no seu discurso?
Cabo Branco é o ponto mais oriental do Brasil. Fica mais perto de Dacar e Cabo Verde do que de Porto Velho ou Rio Branco, provavelmente. Então, são nossos vizinhos. As águas territoriais brasileiras e da África ficam muito perto umas das outras, quase se tocam. Então, são vizinhos de Além-Mar, como diziam os militares, e isso exige cooperação.Trabalhamos juntos na área militar com Angola, Guiné Bissau, Namíbia. Mas nossa prioridade era e é a Unasul, para assegurar a paz que gera desenvolvimento.
Folha - Segundo reportagem da Folha*, o comandante do Exército, Enzo Péri, é investigado pelo TCU pois, quando diretor do Departamento de Engenharia e Construção da Força, assinou 27 contratos sem licitação com um instituto que subcontratava empresas ligadas a militares. Que providências o sr. vai tomar?
Bom, o próprio general me disse que já há investigações militares e tomadas de conta iniciadas por ele próprio em relação a possíveis.... Não sei nem que termo usar, vamos falar possíveis irregularidades.
Folha - O comandante vai investigar ele próprio?
Essas coisas são muito difíceis de a gente falar, mas é preciso separar o joio do trigo. A minha forte impressão é de que estamos com o trigo. Estou há muito pouco tempo aqui, mal cheguei, mas tenho 50 anos de serviço público e conheço as pessoas pelo olho. Às vezes a gente erra, mas quase sempre. O general Enzo me dá a impressão de uma pessoa não apenas ilibada, mas até de um asceta. Minha impressão é totalmente positiva. O que tiver de ser investigado será investigado, mas é preciso ver isso tudo direito, sem precipitação.
*Folha - Como o sr. pretende contribuir para a faxina ética que a presidente determinou em outras áreas?
Moralidade é importante em qualquer governo. As denúncias aparecem e são comprovadas? Têm de ter consequência. A presidente Dilma, me parece, vai aprofundar a inclusão social, o desenvolvimento e a moralidade pública.
*Folha - Como foi seu encontro de hoje [ontem] de manhã com o antecessor Jobim?
Fui ao apartamento dele, porque ele está doente, com o rosto inchado, mas tivemos uma boa conversa sobre os projetos que estão em andamento.
Folha - Se houver resistências públicas de oficiais, como já houve nos bastidores, como o sr. pretende agir?
Não fique me colocando alçapões inexistentes...
Folha - Qual sua ambição no Ministério da Defesa? Quando o sr. sair, o que pretende deixar para dizer que a missão foi cumprida?
Ter deixado o Brasil mais capacitado a se defender, ter uma atitude ainda mais altiva, sem abaixar a cabeça.
Folha - O deputado José Genoino vai continuar na Defesa?
Vai. Se quiser, pode botar um ponto de exclamação.
Em entrevista no novo gabinete, Amorim, 69, disse que o comandante do Exército, general Enzo Peri parece uma pessoa "não apenas ilibada, mas até um asceta".
Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), como a Folha revelou na terça-feira, diz que Enzo favoreceu firmas ligadas a militares ao dispensá-las de licitação entre 2003 e 2007.
Folha - Quem convidou o sr. a presidente Dilma ou o ex-presidente Lula?
Celso Amorim - A presidente Dilma, claro. Fui sendo prevenido aos poucos, ela me ligou poucos minutos antes do anúncio, e eu só falei com o presidente Lula no domingo, depois de conversar pessoalmente com ela.
Folha - O sr. tinha mágoa de não ter sido convidado para nada por ela na troca de governo?
Mágoa nenhuma. Sou a favor da renovação e eu não podia querer me perpetuar num cargo ou disputar outro. Já tinha até alugado apartamento em Brasília para o depois. Essa coisa de que não nos damos bem é do imaginário. Ao contrário, nós nos damos excelentemente bem.
Folha - O seu nome foi cogitado para a Defesa quando o ministro Waldir Pires caiu e depois no início do governo Dilma. O sr. tinha a expectativa de assumir a pasta?
Nunca tive essa expectativa, nem era uma aspiração, mas há uma relação óbvia entre as funções dos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa. Eu já considerava minha carreira de homem público completa, esperava ser professor, colunista, palestrante.
Folha - Aliás, o sr. mantém a crítica que fez na revista "Carta Capital" ao voto favorável do governo Dilma a um relator especial da ONU para apurar abusos contra Direitos Humanos no Irã?
Hoje, eu sou parte do governo e tenho de participar solidariamente das decisões do governo, e essa pasta pertence a outro ministro. Como intelectual independente, o que eu escrevi e disse claramente é que, se fosse eu, não teria tomado aquela atitude.
Folha - Uma das mais fortes críticas que oficiais militares fazem ao sr. é justamente a ligação com o Irã.
Nós nunca ficamos amiguinhos do Irã, e o Irã jamais foi uma prioridade da nossa política externa. O que foi uma prioridade, sim, num determinado momento, foi resolver um problema grave para o mundo que, aliás, continua existindo: o problema do programa nuclear do Irã. Como resguardar de um país ter um programa país e ao mesmo tempo resolver as desconfianças que havia? Tentamos viabilizar uma proposta dos países do Ocidente, a começar dos Estados Unidos, que depois mudaram de posição e acharam que não era mais assim. Mas a verdade é que tivemos estímulo deles. Ou seja: nunca houve uma aventura iraniana, como alguns querem fazer crer. Houve uma atitude independente e transparente nossa.
Folha - O sr. é "esquerdista"?
Esses rótulos, é melhor deixar os outros colocarem. Uns dizem que fui colocado pela presidente Dilma por ser nacionalista, o que agrada aos militares. Outros, que foi porque sou esquerdista, o que não agrada a eles. Mas, no Brasil, nacionalismo não é confundido com esquerdismo?
Folha - A presidente disse que o sr. é patriota. Como o sr. define esse conceito?
Nossa ideologia é a pátria e a Constituição. Fui sempre um profissional do interesse nacional. Uma coisa é você ficar trancado na sua casa, torcendo para o Brasil num jogo de futebol, o que é muito bom e todos nós fazemos isso. Mas outra é você ser um profissional do interesse nacional. Acho que sempre fui e de várias maneiras, em negociações comerciais, políticas, de segurança nacional. Você não descreve com palavras e sim com atitudes.
Folha - A brincadeira automática, depois que a presidente disse que o sr. é patriota é que o Patriota não é nenhum Amorim... Já disseram até que ele volta na prática a ser secretário-geral do Itamaraty.
Isso não tem nenhum sentido. Eu tenho muito o que aprender aqui na minha pasta, nem vou ter tempo para olhar para a dos outros. Eu e o Patriota trabalhamos juntos quinze anos e, desse susto, nem ele nem vocês morrem.
Folha - O sr. vai trazer diplomatas?
Não estou pensando nisso.
Folha - Vai trocar eventualmente algum comandante militar?
Não é minha intenção nem recebi nenhuma orientação nesse sentido, ao contrário.
Folha - Num dos seus artigos, o sr. também escreveu que não são satisfatórias as relações entre o poder civil e os militares e a responsabilidade por atos cometidos na ditadura. Como pretende avançar nos dois casos?
Não me recordo exatamente das palavras que usei nesse artigo, que era sobre como o Brasil pode ajudar na transição dos países árabes e comento o que ocorreu no Brasil, inclusive sobre as relações de civis e militares. Não é que eu disse que não são satisfatórias, mas que talvez algumas pessoas não vejam como satisfatórias. É uma constatação de um fato, mais do que um juízo de valor. Mas sei que a subordinação das Forças Armadas ao poder civil é clara e que a presidente Dilma exerce esse comando obviamente, e o ministro da Defesa é um instrumento dessa hierarquia.
Folha - Por que o sr. não fez nenhuma referência no seu discurso à Comissão da Verdade negociada entre civis e militares?
Fiz referências a Direitos Humanos, e acho que esse assunto, da Comissão da Verdade, está bem encaminhado. Acabei de chegar, hoje é meu primeiro dia de trabalho, e não tenho todas as respostas, mas tenho grande esperança de que a Comissão da Verdade possa ajudar a resolver essas questões. Vai ter algum reclamo de um lado e de outro? Não sei, mas sei que é uma boa base para aplainar a questão no futuro.
Folha - O sr. defende a responsabilização dos militares por atos cometidos na ditadura, como houve na Argentina, no Uruguai, no Chile?
Nem as situações que geraram os fatos nem as soluções foram idênticas. O mais importante é o restabelecimento da verdade. Acho que esse assunto está bem encaminhado. Se houver bom senso de todos os lados e uma boa articulação política, que cabe ao ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo, do PT], nós chegaremos a uma boa conclusão.
Folha - O general Augusto Heleno...
A quem aprecio, pelo bom trabalho que fez no Haiti e que eu acompanhei, porque nós trabalhamos juntos...
Folha -... disse que o comprometimento ideológico tem repercussão altamente negativa entre os militares. O sr. concorda?
Acho que você não pode fazer das Forças Armadas uma coisa partidária, mas acho que nem para a esquerda, nem para a direita, nem para o centro. Agora, patriotismo é patriotismo. Cada um interpreta a seu modo, e para isso nós temos a presidente da República, que é quem escolhe, quem decide e quem foi eleita pelo provo brasileiro.
Folha - E as reações de setores militares contra a escolha de um novo diplomata, depois da passagem do embaixador José Viegas pela Defesa?
Não fui escolhido por ser um diplomata. Fui ministro por nove anos e meio, no governo Itamar e nos oito anos do presidente Lula, e ministro é um cargo político. Estou assumindo um lugar novo que tem muitos desafios para mim, como teria para qualquer outro. Mas a gente aprende, se trabalhar com afinco e souber ouvir.
Folha - Vou lhe repassar uma pergunta que me foi feita por um oficial: e se fosse um general mandando no Itamaraty, os diplomatas iriam gostar?
Os diplomatas são muito disciplinados, a tradição era que os ministros não fossem da carreira e houve mesmo um que vinha da carreira militar, o general da reserva Juracy Magalhães. Então, o importante é ser patriota, ter humildade para ouvir e capacidade para decidir.
Folha - Se a gente somar tudo o que o sr. disse no seu discurso de posse sobre soldos, equipamentos, investimentos, o sr. vai precisar de muitos bilhões de reais, mas os tempos não são justamente de corte?
Bem, eu não vou resolver isso sozinho. O que eu disse é que vou me empenhar e que percebo uma sensibilidade grande da presidente para a Defesa.
Folha - Ela deu algum sinal de que vai descontingenciar recursos para facilitar sua chegada?
Acho que não seria correto eu falar sobre isso, mas certamente vou falar com os ministros da área econômica. Qual a solução? Quando será a solução? Não sei. Vamos ver. E a questão do investimento na indústria de defesa faz parte da solução, não do problema. Nos EUA, a empresa privada é responsável pelos investimentos em ciência e tecnologia, mas, ora, tudo por encomenda do Pentágono. Isso mostra a importância que a Defesa tem para a indústria, para o desenvolvimento, para os empregos, para a tecnologia de ponta. A aviação brasileira nasceu dessa forma.
Folha - E o outro lado da moeda? Boa parte, ou a maior parte, da responsabilidade da crise norte-americana é justamente pelos gastos na área militar.
Mas ninguém fala que vamos nos envolver em aventuras militares como os EUA se envolveram. Eles estão com duas a três guerras ao mesmo tempo.
*Folha - No domingo, antes mesmo da sua posse, mulheres de militares fizeram manifestação por aumento de soldos. Os comandantes lhe pediram isso na reunião do fim de semana?
Foi mais geral. Vamos esperar um pouquinho.
*Folha - E os caças, vêm ou não vêm?
Os caças terão que vir. Achava isso como ministro das Relações Exteriores e continuo achando agora como ministro da Defesa. Mas o momento exato ainda não dá para dizer.
Folha - Nisso, o sr. e o ministro Jobim combinam? Ambos querem os Rafale franceses?
Havia um problema de preços e toda uma discussão sobre transferência de tecnologia. Naquela época, no governo Lula, parecia que o que tinha mais condições de fazer essa transferência era o francês. Se ainda é, não sei, porque não acompanhei o desenrolar das discussões sobre isso e sobre uma renegociação de preços.
Folha - Naquele momento, o recuo não foi por causa de cortes no Orçamento, mas sim a chateação do presidente Lula porque o Sarkozy tirou o tapete do Brasil na discussão sobre Irã na ONU?
O presidente Lula disse isso para você? Para mim não disse...
Folha - Como fazer com o programa nuclear da Marinha, se não há dinheiro para mais nada?
A última visita interna que fiz como chanceler foi justamente a Aramar, até porque sempre fui um entusiasta do programa nuclear da Marinha. O Brasil tem de ter independência nessa área, ter capacidade de dominar o ciclo completo. Acho que vai ter recursos, sim. A presidente é nacionalista, patriota e sabe da importância de proteger os nossos recursos, principalmente agora com o pré-sal.
Folha - Como o Brasil, com uma dimensão continental, com Amazônia, pré-sal e água, não tem satélite até hoje? É possível falar em soberania?
São projetos que continuarão a ser desenvolvidos, em conjunto com o Ministério de Ciência e Tecnologia. Há sensibilidade para isso. Quanto à soberania, o mais importante é a atitude psicológica. Você tem de acreditar que é soberano. Você pode ter satélite, foguete, o que quiser, mas sem atitude sua soberania não vale nada. Se tiver atitude certa, vai ter o satélite certo, mas você pode ter o satélite certo e não ter a atitude certa.
Folha - E o acordo com os EUA para o uso da base de Alcântara, vai avançar?
Foi paralisado no Congresso Nacional e não se trata de questão ideológica. Não tem muito cabimento brasileiros não terem acesso a certos lugares dentro do território nacional. É uma questão de soberania inegociável.
Folha - O ministro Jobim e o sr. estabeleceram uma linha de distanciamento dos EUA, mas o chanceler Patriota faz uma linha de aproximação. Onde o sr. se encaixa agora?
Você faz uma pergunta com várias premissas que comportam discussão. O ministro Jobim até patrocinou, junto conosco, um acordo militar com os EUA... Não percebi nenhum distanciamento enquanto fui ministro. Acho que o ministro Patriota faz jus ao nome, e o ministro Jobim também agiu patrioticamente. O que nós temos que ver é o interesse brasileiro. Às vezes, será interessante fazer acordo com os EUA e, em outras, com outros países. Temos de ter a cabeça aberta. É preciso acabar com essa mania de que o que é a favor do Brasil é contra os EUA.
Folha - Por que o sr. defende a saída do Haiti?
Defendo uma saída gradual do Haiti, pois cumprimos bem nossa missão lá, quero dizer, as Forças Armadas cumpriram. Dizem que democracia é quando um presidente eleito passa o governo para um outro presidente eleito, e foi isso o que ocorreu lá. Então, é hora de discutir uma saída organizada, inclusive com as Nações Unidas, claro. Não sei se em agosto, dezembro, janeiro, não é o que importa. O que importa é como. Uma possibilidade é sair, mas deixando um batalhão de engenharia do Exército lá, por exemplo.
Folha - Por que o sr. citou especificamente a África no seu discurso?
Cabo Branco é o ponto mais oriental do Brasil. Fica mais perto de Dacar e Cabo Verde do que de Porto Velho ou Rio Branco, provavelmente. Então, são nossos vizinhos. As águas territoriais brasileiras e da África ficam muito perto umas das outras, quase se tocam. Então, são vizinhos de Além-Mar, como diziam os militares, e isso exige cooperação.Trabalhamos juntos na área militar com Angola, Guiné Bissau, Namíbia. Mas nossa prioridade era e é a Unasul, para assegurar a paz que gera desenvolvimento.
Folha - Segundo reportagem da Folha*, o comandante do Exército, Enzo Péri, é investigado pelo TCU pois, quando diretor do Departamento de Engenharia e Construção da Força, assinou 27 contratos sem licitação com um instituto que subcontratava empresas ligadas a militares. Que providências o sr. vai tomar?
Bom, o próprio general me disse que já há investigações militares e tomadas de conta iniciadas por ele próprio em relação a possíveis.... Não sei nem que termo usar, vamos falar possíveis irregularidades.
Folha - O comandante vai investigar ele próprio?
Essas coisas são muito difíceis de a gente falar, mas é preciso separar o joio do trigo. A minha forte impressão é de que estamos com o trigo. Estou há muito pouco tempo aqui, mal cheguei, mas tenho 50 anos de serviço público e conheço as pessoas pelo olho. Às vezes a gente erra, mas quase sempre. O general Enzo me dá a impressão de uma pessoa não apenas ilibada, mas até de um asceta. Minha impressão é totalmente positiva. O que tiver de ser investigado será investigado, mas é preciso ver isso tudo direito, sem precipitação.
*Folha - Como o sr. pretende contribuir para a faxina ética que a presidente determinou em outras áreas?
Moralidade é importante em qualquer governo. As denúncias aparecem e são comprovadas? Têm de ter consequência. A presidente Dilma, me parece, vai aprofundar a inclusão social, o desenvolvimento e a moralidade pública.
*Folha - Como foi seu encontro de hoje [ontem] de manhã com o antecessor Jobim?
Fui ao apartamento dele, porque ele está doente, com o rosto inchado, mas tivemos uma boa conversa sobre os projetos que estão em andamento.
Folha - Se houver resistências públicas de oficiais, como já houve nos bastidores, como o sr. pretende agir?
Não fique me colocando alçapões inexistentes...
Folha - Qual sua ambição no Ministério da Defesa? Quando o sr. sair, o que pretende deixar para dizer que a missão foi cumprida?
Ter deixado o Brasil mais capacitado a se defender, ter uma atitude ainda mais altiva, sem abaixar a cabeça.
Folha - O deputado José Genoino vai continuar na Defesa?
Vai. Se quiser, pode botar um ponto de exclamação.
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