14 fevereiro 2010

Pacote anticorrupção

por Rodrigo Martins

Na segunda-feira 8, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso um projeto que visa combater a corrupção contra a administração pública. O texto prevê, na esfera administrativa, a aplicação de multas de até 6 milhões de reais ou 30% do faturamento das empresas que fraudarem licitações, pagar propinas a funcionários públicos, superfaturar ou maquiar serviços e produtos vendidos ao governo. Essas companhias também podem ter o contrato rescindido ou serem impedidas de participar de novos processos de licitação.

Os processos administrativos devem ser concluídos em até 180 dias. Além disso, a Justiça poderá determinar o fechamento de empresas envolvidas em casos de corrupção mais graves. Pelo projeto, as companhias também podem ser obrigadas a ressarcir os prejuízos causados aos cofres públicos. Confira, abaixo, a entrevista com o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), um dos idealizadores da proposta.

CartaCapital: Qual é a principal mudança prevista no projeto?
Jorge Hage: O projeto prevê punições pela via administrativa, sem ter que depender do Judiciário. Essa é a principal garantia de eficácia da nossa luta contra a impunidade. Garante que o processo começa e termina. O que não ocorre no Judiciário, e não por culpa dos magistrados. Eu sou juiz aposentado e sei que o problema reside na infinidade de recursos que a legislação brasileira permite, bem como na interpretação dos tribunais superiores, que não permitem o cumprimento da pena antes do transitado e julgado, o que não acontece nunca.

CC: Já não havia punições administrativas às empresas?
JH: Atualmente, a punição administrativa é a declaração de inidoneidade da empresa, o que pode impedi-la de participar de licitações públicas por algum período. Essa punição está prevista na Lei de Licitações. Criamos no nosso site um cadastro das empresas que receberam esta sanção, para que todos os órgãos públicos saibam quais são as companhias envolvidas com corrupção. Essa lista suja tem mais de 1,4 mil empresas inidôneas, que não podem fechar novos contratos com o poder público.

CC: As empresas são, de fato, impedidas de participar de licitações?
JH: Isso não é rigorosamente respeitado pelas prefeituras, isso a gente sabe. Mas nós estamos estimulando os governos estaduais a aderir ao nosso cadastro e vários deles já aderiram, como São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco. Eles nos informam a base de dados deles, das empresas que eles punem, e nós juntamos essas informações com as nossas, para ampliar o cadastro e torná-lo visível a todos. Mas essa é a única forma de punição hoje existente, além das multas contratuais. Só que essas multas são limitadas, coisa entre 5% e 10% do valor do contrato, o que não chega a inibir as grandes empresas de incorrer em práticas de corrupção. Então, o projeto de lei cria muitas outras formas de penalidade na esfera administrativa. E prevê punições maiores aplicáveis por decisão judicial.

CC: O que muda na esfera administrativa?
JH: Pela via administrativa, está prevista uma multa de 1% a 30% do faturamento bruto da empresa. O que é uma pena elevadíssima. No caso de não se conseguir informações fidedignas sobre o faturamento, aplicam-se multas de 6 mil a 6 milhões de reais. Segundo, declaração de inidoneidade englobará não apenas ilícitos cometidos em contratos, como é hoje, mas todas as formas de ilícitos em sua relação com a administração pública, incluindo pagamento de propinas. Terceiro, a empresa pode ser condenada a reparar integralmente o dano causado ao Erário. Hoje, não temos meios, pela via administrativa, de chegar ao patrimônio da empresa corruptora. Criamos a base legal para isso. Além disso, essas empresas ficariam impedidas de tomar empréstimos e financiamentos em bancos oficiais.

CC: Quais é a punição mais severa? Ela dependerá do aval da Justiça?
JH: A extinção da empresa é a punição mais extrema, prevista somente em casos muito graves, como a criação de empresas laranjas, constituídas para lavar dinheiro, fazer remessas ilegais de valores e proteger seus beneficiários. A extinção dessas empresas só será possível por decisão judicial. Além disso, também o confisco dos valores obtidos com a vantagem ilícita, o confisco de bens dos beneficiários, a suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa. Todas são medidas que competem ao Judiciário, por provocação do Ministério Público ou da Advocacia Geral da União, das procuradorias estaduais e municipais.

CC: E se a empresa for condenada antes pela Justiça?
JH: Dificilmente ocorrerá a hipótese de existir um processo na Justiça, com condenação em primeira instância, antes da nossa autuação administrativa. Será muito mais rápido por aqui. Nós temos uma punição prevista para, no máximo, 180 dias. No Judiciário, nada acontece antes de 180 dias. Mas a pena aplicada pela administração pública pode, evidentemente, ser contestada pela empresa judicialmente. E isso já acontece hoje. Nós temos vários casos de declarações de inidoneidade que foram contestadas judicialmente, inclusive com mandados de segurança. Só que até agora nós, da CGU, nunca perdemos uma ação dessas.

CC: Todas essas 1,4 mil declarações de inidoneidade?
JH: Não. Esse número é a somatória de todas as declarações expedidas pela União, bem como pelos estados e municípios que aderiram ao cadastro. Não sei informar quantas dessas empresas recorreram ao Judiciário, mas todos os processos que eram da nossa competência foram vencidos pela União.

CC: E no caso das empresas brasileiras com atuação no exterior?
JH: O projeto também prevê a punição de empresas brasileiras com atuação no exterior por suborno transnacional. Esse é um compromisso do Brasil na convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), um dos últimos aspectos que o País ainda precisa cumprir do acordo que é signatário. Trata-se da criação da norma jurídica para permitir a punição de empresas brasileiras que atuam globalmente, por atos de corrupção de funcionários estrangeiros ou de organismos internacionais.

CC: O senhor acredita que o empresariado será favorável à medida?
JH: O objetivo é buscar a transparência nas relações do setor público com o setor privado, de forma a combater a corrupção, que também traz danos para as empresas. O Instituto Ethos de Responsabilidade Social, que congrega um grande número de empresas, por exemplo, já manifestou apoio ao projeto. Nada é mais nocivo para livre competição do que a corrupção, o pagamento de propina, as fraudes em licitações públicas. As empresas sérias e idôneas têm todo o interesse de ver um projeto desses ser aprovado, porque terão condições de competir em pé de igualdade com qualquer outra empresa. E elas também não se sentirão estimuladas a participar de esquemas de corrupção, tendo em vista as punições previstas aos infratores.

CC: E o lobby das empresas que se beneficiam da corrupção?
JH: Eu acredito que essas empresas terão dificuldade de manifestar à luz do dia, às claras, esse tipo de resistência. Porque as boas entidades empresariais, que cobram tanto do poder público regras limpas e claras, não têm como ficar contra o projeto. E imagino que elas vão pressionar os congressistas pela aprovação de qualquer medida mais forte no combate à corrupção.

Carta Capital

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