01 janeiro 2010

A "campanha presidencial da paz" na América Latina

por Noam Chomsky - The New York Times

Barack Obama, o quarto presidente dos Estados Unidos a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, mantém a tradição de seus antecessores para promover a paz, desde que, é claro, seja conveniente para seu país.

Todos os quatro presidentes deixaram sua marca na "região que nunca incomodou ninguém", como descreveu a América Latina o Secretário da Guerra norte-americano Henry L. Stimson, em 1945.

Levando em conta a postura da administração Obama com relação às eleições de Honduras em Novembro, pode ser interessante rever a história.

THEODORE ROOSEVELT

Em seu segundo mandato na presidência dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt declarou que "a expansão dos povos brancos ou de origem europeia nos últimos séculos resultou em benefícios para a maioria dos países por eles colonizados", apesar dos africanos, Índios norte-americanos, filipinos e outros supostos beneficiários discordarem redondamente.

Foi então "inevitável e altamente desejável para o bem da humanidade em geral, que o povo americano derrotasse os mexicanos", conquistando metade do México, já que "estava fora de questão esperar que os texanos se submetessem à autoridade de uma raça inferior".

Usar a chamada "diplomacia de canhoneiras" para roubar o Panamá da Colômbia para construir o canal também foi considerado um bem para a humanidade.

WOODROW WILSON

Woodrow Wilson foi o mais laureado dos presidentes e talvez o pior para a América Latina.

A invasão do Haiti orquestrada por Wilson em 1915 matou milhares de pessoas, restaurou a escravidão e deixou boa parte do país em ruínas.

Demonstrando seu amor pela democracia, Wilson ordenou a seus fuzileiros que dissolvessem o parlamento haitiano à mão armada, pois o mesmo se negou a aprovar uma lei "progressista" que permitia às empresas dos EUA praticamente comprar o país. O problema foi remediado quando os haitianos adotaram à força uma constituição redigida pelos EUA. O Departamento de Estado, inclusive, garantiu ao povo que o feito seria "bom para o Haiti".

Wilson também invadiu a República Dominicana para garantir o bem estar da nação. Os dois países foram colocados sob a custódia de guardas nacionais perversas. Décadas de tortura, violência e miséria foram o legado do "idealismo de Wilson", um princípio que norteou fundamentalmente a política diplomática dos Estados Unidos.

JIMMY CARTER

Para o presidente Jimmy Carter, os direitos humanos eram "a alma da política de relações internacionais".

Robert Pastor, conselheiro de segurança nacional para a América Latina, explicou algumas diferenças importantes entre direitos e políticas: Infelizmente, a administração precisava apoiar o regime do ditador Nicaraguense Anastasio Somoza e, mesmo quando isso se tornou impraticável, era preciso manter a Guarda Nacional treinada pelos americanos, ainda que ela tenha massacrado a população "com uma brutalidade que as nações normalmente reservam a seus inimigos", matando quase 40.000 pessoas.

Para Pastor, a razão é óbvia: "Os Estados Unidos não queriam controlar a Nicarágua ou qualquer outro país da região, mas também era preciso manter um certo controle sobre seu desenvolvimento. Os norte-americanos queriam que os nicaraguenses agissem de forma independente, a não ser quando isso afetasse os interesses dos Estados Unidos".

BARACK OBAMA

O presidente Barack Obama isolou os Estados Unidos de quase toda a América Latina e Europa quando aceitou o golpe militar que derrubou a democracia hondurenha em junho.

O golpe refletiu uma "separação política e socioeconômica", como relatou o New York Times. Para a "pouco representativa classe alta", o presidente hondurenho Manuel Zelaya estava se tornando uma ameaça ao que eles chamam de "democracia", especialmente para "as mais poderosas forças políticas e corporativas do país".

Zelaya estava levando a cabo medidas perigosas, como o aumento do salário mínimo - isso em um país em que 60% da população vive na pobreza. É claro que ele precisava ser deposto.

Quase sem o apoio de mais ninguém, os Estados Unidos reconheceram as eleições de novembro (em que Pepe Lobo saiu vitorioso), realizadas sob a ditadura militar: "uma grande festa da democracia", como descreveu o embaixador de Obama, Hugo Llorens.

O apoio também preservou o direito de uso da base aérea de Palmerola, mais valiosa do que nunca, já que as forças armadas norte-americanas têm se tornado cada vez menos bem-vindas na América Latina.

Depois das eleições, Lewis Anselem, o representante de Obama na OEA, sugeriu que os países latinos contrários deveriam reconhecer a legitimidade do golpe militar e juntar-se aos Estados Unidos, "no mundo real e não no mundo de realismo fantástico".

O apoio de Obama ao golpe militar foi realmente inédito. O governo dos Estados Unidos financia o Instituto Internacional Republicano e o Instituto Nacional Democrata, duas instituições que teoricamente deveriam promover a democracia.

O Instituto Republicano costuma apoiar golpes militares para depor governos eleitos, como aconteceu na Venezuela em 2002 e no Haiti em 2004.

Mas o Instituto Democrata permanecia em silêncio. Em Honduras, pela primeira vez, o Instituto Democrata concordou em observar as eleições sob o comando militar, ao contrário da OEA e da ONU, que continuavam em um mundo de realismo fantástico.

Levando em conta as ligações entre o Pentágono e o exército hondurenho e as vantagens econômicas descomunais que os EUA têm no país, seria muito mais simples que Obama aderisse à América Latina e Europa na luta para proteger a democracia em Honduras.

Mas Obama preferiu a política tradicional.

Em sua história de relações internacionais com o hemisfério sul, o acadêmico Gordon Connell-Smith escreve que "apesar do discurso pró-democracia na América Latina, os interesses dos Estados Unidos estão justamente direcionados ao oposto", a não ser por "uma democracia artificial, com eleições que na maioria das vezes não passam de puro teatro".

Uma democracia funcional precisa reagir às questões populares, ao passo que "os Estados Unidos estão mais preocupados em estabelecer as melhores condições para realizar seus investimentos".

É preciso muito da chamada "ignorância intencional" para deixar de perceber a realidade.

Essa cegueira deve ser sustentada cuidadosamente se o estado violento pretende manter-se no poder - sempre para o bem da humanidade como declarou Obama no discurso de agradecimento pelo Nobel da Paz.

Noam Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Fonte

Um comentário:

Camila disse...

O Obama, ao contrário do que diz o Arnaldo Jabor, vem se mostrando uma grande decepção ao manter as políticas tradicionais de um país mesquinho e que constrói a sua hegemonia em cima da soberania e da exploração dos vizinhos. O que esperar de um sistema liderado por eles, portanto?