24 outubro 2009

E agora, ao social

Mino Carta

Na festa de CartaCapital, destinada a premiar as Empresas Mais Admiradas no Brasil e a celebrar o aniversário da revista, o 15º, o presidente Lula não estava com a cadelinha dálmata, estava é com a macaca. Ou, se quiserem, estava inspirado, a mostrar como se cativa um auditório.

A dálmata, não se surpreendam, cabe no enredo. Entre afirmações de grande peso, ironias de notável sutileza e a evocação de episódios escolhidos para despertar a hilaridade embora bastante representativos, a cadelinha não arreda pé do passado de Lula porque, muito tempo atrás, uma jovem jornalista não entendeu como um metalúrgico pudesse hospedar em sua casinha de São Bernardo do Campo um bicho tão aristocrático. Por causa de situações deste gênero, explicou o presidente, ele perdeu ranço e rancor.

Quanto à macaca, diz respeito ao extraordinário talento de comunicador do presidente da República mais popular na história do Brasil. Capaz também de fazer valer seu carisma no estrangeiro para conquistar a admiração do mundo. O discurso pronunciado por Lula na noite de CartaCapital é um primor de graça autêntica e também como peça política.

No ano passado, outubro também, o muro do neoliberalismo ruíra, quase vinte anos depois da queda de outro, o muro do socialismo real. Ambos fizeram por merecer. A festa de 2008 foi marcada pela desorientação da plateia e até pelo desalento. Único ali, a manter uma desabrida tranquilidade, o presidente da República. Já ensaiava o que viria pouco tempo depois, o vaticínio da “marolinha”.

O tempo deu-lhe razão, em boa parte, e hoje o leva a acentuar como a situação atual- deste país protegido pela natureza mas conduzido por cidadãos capazes de manter “a cabeça erguida” (palavras dele) explica o favor global e encaminha-o para tornar-se a quinta potência econômica até 2016. Diante disso, não há como a assistência não estrugir em palmas. CartaCapital - espera que a consciência desta perspectiva tão próxima da realização empolgue a nação, a repelir a ação contrária de quem, por exemplo, gostaria de entregar o pré-sal à Shell ou à Esso.

Até parece que o Brasil do futuro está na iminência de virar o Brasil do presente, para o bem geral, inclusive dos maus brasileiros, incapazes de enxergar as suas próprias conveniências. Se assim for, se a potencialidade econômica se afirmar, que faltaria? Admitamos que as condições de vida dos mais pobres tenham melhorado, como afirma o presidente Lula, assim mesmo pouco na visão de CartaCapital. De todo modo, a questão central ainda pousa na péssima, injusta distribuição de renda. Para ser, de verdade, o País do Presente, o Brasil precisa enfrentar seu maior problema, de cuja solução depende o êxito de um capitalismo pós-enterro do neoliberalismo.

Duas semanas atrás, neste mesmo espaço, falava de um livro recém-publicado na Itália sobre Enrico Berlinguer, um dos últimos grandes líderes políticos ocidentais. Recebi, a par da manifestação de simpatia do presidente da Fundação Astrojildo Pereira, Caetano Pereira de Araújo, de presente dois livros que a entidade lançou à sombra da coleção “Brasil e Itália”: Por um Novo Reformismo, de Giuseppe Vacca, pensador validíssimo, e Democracia, um Valor Universal, coletânea de trechos de ensaios, artigos, discursos e entrevistas de Berlinguer.

Extraio desta segunda obra uma resposta do líder comunista a um entrevistador da Time Magazine, em junho de 1975. Soa à perfeição no Brasil de hoje. Pergunta o jornalista americano: “O que aconteceria se o Partido Comunista passasse a fazer parte do governo nacional?” Responde Berlinguer: “Antes de tudo, no terreno da política interna, haveria o início de importantes reformas sociais, como as da habitação, da escola, do urbanismo. Depois, pressionaríamos para um grande avanço da produção agrícola e industrial, levando adiante um processo de modernização tecnológica.”

“Em segundo lugar”, prossegue o entrevistado, “e isto é de vital importância, promoveríamos um saneamento moral da vida política, social e judiciária da Itália.” E ainda: “Trabalharíamos também para pôr fim ao amplo sistema de clientelismo, que é fonte de tanto desperdício. Existe um nexo entre criminalidade comum e desordem política e, enquanto não eliminarmos a corrupção, especialmente nas cúpulas, não podemos esperar por grandes mudanças na criminalidade...”

Tanto mais inspiradoras estas declarações a se considerar que Berlinguer conduziu o PCI para uma linha própria, independente de Moscou, conforme “as melhores tradições democráticas e patrióticas da Itália”.

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