17 maio 2009

POR UMA LEI DE IMPRENSA

por José Paulo Cavalcanti Filho

Dos 191 países da ONU, só um não tem Lei de Imprensa. O Brasil. Alguma coisa está errada, nesses números. Claro que sofremos, por tempo demais, com a pior Lei de Imprensa do planeta. Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma. Os jornais dizem que Inglaterra e Estados Unidos também não têm, só que são realidades diferentes. Não apenas por serem países da Common Law, que dão mas valor à jurisprudência; mas sobretudo por não haver lá, sobre o tema, o vazio que agora passamos a ver por aqui. Inglaterra tem um Código de Ética jornalística desde 1938; e a House of Commons, por conta do (Henri) Calcut Report, aprovou um Código de procedimentos para a Press Complaints Commission que vem sendo consensualmente cumprido. Nos Estados Unidos, ao lado da Libel Law do Código Penal Federal, temos vasto conjunto de regras espalhadas em diferentes normativas. O australiano Rupert Murdoch por exemplo, quando quis entrar naquele mercado, teve que se naturalizar americano por exigência dos memoranduns da FCC. Sem contar que, contra todas as tradições, o Congresso chegou a discutir, dez anos atrás, a adoção de algo como uma Lei de Imprensa, em um Libel Reform Act elaborado pelos Annemberg Institute.

De parte essa observação estatística, cumpre ver quem ganha e quem perde, com essa decisão do STF revogando nossa Lei de Imprensa. Jornalistas com certeza perdem. Uma lei de Imprensa democrática lhes garantiria direitos fundamentais, como a “cláusula de consciência” – com a qual poderiam não assinar matérias contra suas crenças ou ideologias, sem ser demitidos por isso; teriam direito à “exceção da verdade” – que os protegeria de processos; ou, dado exercer o ofício de emitir opiniões, teriam tratamento penal diferenciado – em que a pena de privação da liberdade restaria limitada à reiteração de práticas eticamente reprováveis. Jornais também perdem. Uma lei democrática levaria a que fossem processados apenas onde tenham suas sedes ou sucursais – evitando o que hoje ocorre com a Folha de São Paulo, respondendo a processos dos filiados da Igreja Universal em mais de uma centena de fóruns. E não podem se aproveitar dos benefícios da “retificação espontânea da notícia” – usualmente deferida, nas legislações, com um estímulo a que os próprios jornais expressem a verdade dos fatos, independentemente do direito de resposta – evitando, assim, condenações por indenizações.

Por fim, e sobretudo, perdemos nós cidadãos. Que os jornais relutarão em dar notícias com receio de processos, em casos de oposição entre o direito à informação e o direito à privacidade – quando, segundo as leis de imprensa dos países culturalmente maduros, esses conflitos se resolvem “em favor do interesse coletivo da informação”. Também não haverá obrigatoriedade na identificação de matéria paga, protegendo o leitor. Nem vasto conjunto de exigências do direito de resposta – entre os quais o da gratuidade. À falta de uma legislação específica, sobre esse direito a resposta, vamos sofrer nas ações perante juízes que relutarão em aplicar um direito que, embora formalmente assegurado pela Constituição (art. 5º, V), claramente só ganhará efetividade com a regulamentação que agora deixa de existir. O exemplo dos Estados Unidos, neste caso, não nos serve. Lá, mesmo constando em legislações estaduais, o direito de resposta foi declarado ilegal pela Suprema Corte (em 1974), no case Miami Herald x Tornillo – por ofensa à Primeira Emenda; e, não obstante, os jornais usualmente o concedem, para evitar os riscos de ser condenados em processos com indenização quase sempre severas – como nos case Leonard Ross x N.Y. Times, 5; Richard Sprague x Philadelphia Inquirer, 34; Houston Management x Wall Street Journal, 232 milhões de dólares.

A decisão do Supremo, dadas tantas evidências, permite duas visões. Uma otimista, que se extrai do voto do Ministro Ricardo Lewandovski – segundo o qual esse fato deve servir de estímulo a que o Congresso Nacional aprove uma nova Lei, em substituição à agora revogada. Outra pessimista, que se vê nos discursos aligeirados, ufanistas e lamentavelmente equivocados, segundo os quais a decisão aprimora a democracia brasileira – como uma promessa negra de que tudo vai ficar como está. Seja como for, incorrigíveis otimistas, os brasileiros rogam ao Congresso, o mais rápido possível, a edição de uma nova Lei de Imprensa verdadeiramente democrática. Que garanta o máximo de liberdade na informação, sagrado direito de todos e cada um; mas que também garanta o máximo de responsabilidade, no exercício dessa liberdade.

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