Caro Mino Carta,
Não sei porquê você tomou a peito apoiar a embaixada italiana, desejosa de obter de toda maneira a extradição do ex-militante de um pequeno e inexpressivo grupo armado italiano de uma época já tão distante. Infelizmente, e isso pode acontecer com todos nós jornalistas, você pisou na bola. Não chega a ser tão grave, porque um pequeno grupo decidido de simples cidadãos, juristas e políticos com o apoio do ministro da Justiça resolveu a parada, mas podia ser muito grave.
Foi-me difícil decidir escrever este comentário, porque sua trajetória é praticamente inatacável e sua contribuição ao restabelecimento da democracia no Brasil ficou evidente nas denúncias que corajosamente fazia, como editor de suas revistas, enfrentando os ditadores militares.
Evidentemente respeito sua opinião, talvez baseada num bom informante quanto à decisão do ministro da Justiça de dar refúgio a Battisti, mas péssimo quanto à real participação do Battisti naquele momento político italiano. Você vive felizmente numa democracia no Brasil e eu numa outra democracia exemplar na Suíça, e sabemos que o debate franco como este, é que nutre essas duas sociedades na livre expressão.
Ora, escrevo porque sua influência como editor da revista Carta Capital poderia ter sido bastante nefasta e significar para um homem, batido pela vida, em nada diferente dos “subversivos” brasileiros que você tanto entendeu, o retorno à Itália na condição de um condenado a apodrecer na prisão.
Marina Petrella, também italiana e muito mais envolvida na luta contra o establishement daqueles anos de chumbo, estava morrendo de desgosto e de tristeza num hospital parisiense, já em estado semi-comatoso, sem querer se alimentar, nos dias que precediam sua extradição para a Itália. Depois de trinta anos de vida normal, depois de ter abandonado o extremismo, ia ser separada de suas filhas, do marido, de seus alunos, para ir envelhecer e morrer numa prisão. Porém, foi graças à compaixão da esposa do presidente francês Sarkozy, e sua irmã, atriz conhecida aqui na Europa, ambas italianas, que se decidiu perdoar, porque a nova vida de Marina Petrella, dispensava uma tão tardia punição.
Quando em março, publiquei nos pequenos jornais e sites que escrevo, (proibido que fui e sou de participar da grande imprensa já depois da ditadura), um artigo em favor de Cesare Battisti, contando para os brasileiros a triste sina desse foragido, que quase foi sequestrado, em 2004, pelos italianos, mesmo sendo um simples zelador de prédio e pequeno escritor de romances policiais, alguns amigos, companheiros como se diz, se senbilizaram.
Entretanto, quando Carta Capital publicou aquela reportagem tendenciosa e nada imparcial, tudo se comprometeu. Porque sua revista, que se poderia dizer de centro-esquerda, as vezes mesmo bem de esquerda, serve de orientação para muitos jovens e para muitos militantes de esquerda. E ficaram na dúvida. Quem sou eu, simples jornalista expatriado, que como um Joris Ivens terá de sobreviver com seus frilas, enquanto lúcido e não enfartado por não ter mais lugar na grande imprensa, para competir com Carta Capital ? Como ganhar a confiança de meus amigos e companheiros com minhas colunas benévolas diluídas na selva da imprensa brasileira ?
Mas, como dizem os crentes, milagre acontece. E a imprensa nanica de esquerda, Caros Amigos, Brasil de Fato, bons informantes na França e na própria Itália, o senador Suplicy, os juristas Dallari e Greenhalgh, o deputado Gabeira e a incansável escritora francesa Fred Vargas que, por cinco vezes esteve no Brasil para encontrar políticos e juristas, foram aos poucos mostrando ser necessária uma decisão franca e clara da esquerda brasileira em favor de Cesare Battisti. Um encontro virtual com o combativo Celso Langaretti, ex-preso político, nos permitiu unificar e agilizar a linha de frente da informação alternativa e assim foi possível se acabar com a indecisão de tantos, até ali paralizados pela versão tendenciosa da Carta Capital.
Veja bem, alguns amigos de direita, que respeito e que ouço porque o diálogo é próprio da democracia, me confidenciaram divergir da maneira como se defendia Battisti, mas que, do ponto de vista humano, estavam de acordo, porque se tivesse sido culpado já havia pago, e de sobra, seus crimes. Isso se chama sentimento humanitário.
Porém, para nós, para Fred Vargas, que minuciosamente, por vício de sua formação de arqueóloga, levantou todos os autos e acusações italianas contra Battisti, o processo ou processos foram viciados e nosso próprio ministro da Justiça, Tarso Genro, levanta no seu arrazoado, a questão da dúvida após tantos vícios processuais.
Não houve, como você diz, cidadãos de boa fé enganados por uma esquerda festiva, linguagem que se usava na major Quedinho, na sua época do JT . Mas gente decidida a impedir que se cometesse uma arbitrariedade para se satisfazer a um Romano Prodi, como você diz de centro-esquerda como a Carta Capital, em queda livre e fazendo de tudo para ficar no poder. Ou para ser uma simples cereja a mais no doce a ser servido ao dono atual da Itália.
Um homem ia ser sacrificado, e ao final o próprio presidente francês, que já perdoara Marina Petrella, se desinteressou do caso, mesmo se na época eleitoral pediu para se prender Battisti no Rio de Janeiro.
O nosso ministro da Justiça, Tarso Genro, ao conceder o refúgio humanitário a Cesare Battisi, foi digno, justo, lúcido e humano. E todos os cidadãos brasileiros que de uma ou outra maneira viveram ou sofreram a ditadura militar souberam e sabem apreciar sua coragem de ousar ir contra a corrente, contra o diktat da grande imprensa e de um outro país, que, pelo que leio na imprensa italiana, quer exigir que Lula anule a decisão de nosso Tarso Genro.
Lamento esse longo texto, mas seu comentário foi a gota d´água, mesmo se sempre admirei e admiro sua figura e sua posição em numerosas outras questões. Faço-o em termos democráticos, por questões conceituais e não pessoais.
Rui Martins é jornalista brasileiro radicado em Berna, na Suíça.
Foi-me difícil decidir escrever este comentário, porque sua trajetória é praticamente inatacável e sua contribuição ao restabelecimento da democracia no Brasil ficou evidente nas denúncias que corajosamente fazia, como editor de suas revistas, enfrentando os ditadores militares.
Evidentemente respeito sua opinião, talvez baseada num bom informante quanto à decisão do ministro da Justiça de dar refúgio a Battisti, mas péssimo quanto à real participação do Battisti naquele momento político italiano. Você vive felizmente numa democracia no Brasil e eu numa outra democracia exemplar na Suíça, e sabemos que o debate franco como este, é que nutre essas duas sociedades na livre expressão.
Ora, escrevo porque sua influência como editor da revista Carta Capital poderia ter sido bastante nefasta e significar para um homem, batido pela vida, em nada diferente dos “subversivos” brasileiros que você tanto entendeu, o retorno à Itália na condição de um condenado a apodrecer na prisão.
Marina Petrella, também italiana e muito mais envolvida na luta contra o establishement daqueles anos de chumbo, estava morrendo de desgosto e de tristeza num hospital parisiense, já em estado semi-comatoso, sem querer se alimentar, nos dias que precediam sua extradição para a Itália. Depois de trinta anos de vida normal, depois de ter abandonado o extremismo, ia ser separada de suas filhas, do marido, de seus alunos, para ir envelhecer e morrer numa prisão. Porém, foi graças à compaixão da esposa do presidente francês Sarkozy, e sua irmã, atriz conhecida aqui na Europa, ambas italianas, que se decidiu perdoar, porque a nova vida de Marina Petrella, dispensava uma tão tardia punição.
Quando em março, publiquei nos pequenos jornais e sites que escrevo, (proibido que fui e sou de participar da grande imprensa já depois da ditadura), um artigo em favor de Cesare Battisti, contando para os brasileiros a triste sina desse foragido, que quase foi sequestrado, em 2004, pelos italianos, mesmo sendo um simples zelador de prédio e pequeno escritor de romances policiais, alguns amigos, companheiros como se diz, se senbilizaram.
Entretanto, quando Carta Capital publicou aquela reportagem tendenciosa e nada imparcial, tudo se comprometeu. Porque sua revista, que se poderia dizer de centro-esquerda, as vezes mesmo bem de esquerda, serve de orientação para muitos jovens e para muitos militantes de esquerda. E ficaram na dúvida. Quem sou eu, simples jornalista expatriado, que como um Joris Ivens terá de sobreviver com seus frilas, enquanto lúcido e não enfartado por não ter mais lugar na grande imprensa, para competir com Carta Capital ? Como ganhar a confiança de meus amigos e companheiros com minhas colunas benévolas diluídas na selva da imprensa brasileira ?
Mas, como dizem os crentes, milagre acontece. E a imprensa nanica de esquerda, Caros Amigos, Brasil de Fato, bons informantes na França e na própria Itália, o senador Suplicy, os juristas Dallari e Greenhalgh, o deputado Gabeira e a incansável escritora francesa Fred Vargas que, por cinco vezes esteve no Brasil para encontrar políticos e juristas, foram aos poucos mostrando ser necessária uma decisão franca e clara da esquerda brasileira em favor de Cesare Battisti. Um encontro virtual com o combativo Celso Langaretti, ex-preso político, nos permitiu unificar e agilizar a linha de frente da informação alternativa e assim foi possível se acabar com a indecisão de tantos, até ali paralizados pela versão tendenciosa da Carta Capital.
Veja bem, alguns amigos de direita, que respeito e que ouço porque o diálogo é próprio da democracia, me confidenciaram divergir da maneira como se defendia Battisti, mas que, do ponto de vista humano, estavam de acordo, porque se tivesse sido culpado já havia pago, e de sobra, seus crimes. Isso se chama sentimento humanitário.
Porém, para nós, para Fred Vargas, que minuciosamente, por vício de sua formação de arqueóloga, levantou todos os autos e acusações italianas contra Battisti, o processo ou processos foram viciados e nosso próprio ministro da Justiça, Tarso Genro, levanta no seu arrazoado, a questão da dúvida após tantos vícios processuais.
Não houve, como você diz, cidadãos de boa fé enganados por uma esquerda festiva, linguagem que se usava na major Quedinho, na sua época do JT . Mas gente decidida a impedir que se cometesse uma arbitrariedade para se satisfazer a um Romano Prodi, como você diz de centro-esquerda como a Carta Capital, em queda livre e fazendo de tudo para ficar no poder. Ou para ser uma simples cereja a mais no doce a ser servido ao dono atual da Itália.
Um homem ia ser sacrificado, e ao final o próprio presidente francês, que já perdoara Marina Petrella, se desinteressou do caso, mesmo se na época eleitoral pediu para se prender Battisti no Rio de Janeiro.
O nosso ministro da Justiça, Tarso Genro, ao conceder o refúgio humanitário a Cesare Battisi, foi digno, justo, lúcido e humano. E todos os cidadãos brasileiros que de uma ou outra maneira viveram ou sofreram a ditadura militar souberam e sabem apreciar sua coragem de ousar ir contra a corrente, contra o diktat da grande imprensa e de um outro país, que, pelo que leio na imprensa italiana, quer exigir que Lula anule a decisão de nosso Tarso Genro.
Lamento esse longo texto, mas seu comentário foi a gota d´água, mesmo se sempre admirei e admiro sua figura e sua posição em numerosas outras questões. Faço-o em termos democráticos, por questões conceituais e não pessoais.
Rui Martins é jornalista brasileiro radicado em Berna, na Suíça.
Um comentário:
Glória,
Para entender as razões do Ministro da Justiça, basta ler esta moção.
"MOÇÃO DE APOIO
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados manifesta seu apoio ao pedido de Refúgio Político ao CONARE, em que é requerente CESARE BATTISTI. Para melhor justificar as razões que levam este colegiado a compreender que esta é a posição que melhor se alinha com os preceitos do Direito Internacional Público e com os atos multilaterais de Direitos Humanos, faz-se necessário resgatar as circunstâncias histórico-políticas das quais emergiu este caso reconhecidamente complexo:
1. No contexto bipolar da Guerra Fria, Cesare Battisti, então com menos de 20 anos de idade, engajou-se na década de 70 na militância política da esquerda Italiana;
2. É reconhecido como fato histórico que o Estado Italiano exercia um papel persecutório a militantes de esquerda. Francesco Cossiga, ex-Ministro do Interior e Ex-Primeiro Ministro da Itália, durante esse período, foi ferrenho opositor das esquerdas. Décadas depois, Cossiga provocaria "a hostilidade do establisment político e da OTAN ao tornar pública a existência da Operação Gladio e seu papel nessa organização(...)".
3. "Foi apurado que os serviços secretos norte-americanos e da OTAN realizaram atividades terroristas "sob falsa bandeira", causando numerosas vítimas entre a população civil. O objetivo era culpar os grupos de esquerda pelos atos de terror, a fim de incitar a opinião pública contra os comunistas e assim justificar medidas de exceção, por parte do Estado."1 Era a implantação da "Estratégia da tensão". Nesse contexto, de 1969 a 1984, ocorreram diversos atentados na Itália incluídos na estratégia da tensão;
4. Foram editados vários instrumentos normativos de exceção: a Lei Reale, que dá poderes à polícia para que efetue buscas, e a prisão sem mandado judicial apenas por suspeição; a Lei Cossiga, que ampliou para 11 anos a prisão preventiva em casos de subversão, e a criação do programa de arrependimento que conferia impunidade àqueles que "confessassem" e, na prática, incriminassem as pessoas que o Estado Italiano indicasse como culpados; o artigo 270 bis, do Código Penal Italiano que possibilita a acusação de pessoas por participação em movimentos subversivos sem que o Estado necessite provar o alegado;
5. Neste contexto de excepcionalidade política e jurídica, Cesare Battisti foi preso em 1979 e condenado a uma pena de 12 anos e 10 meses, por participação em ações subversivas e contrárias à ordem do Estado. Não lhe foi imputado nenhum homicídio ou ação terrorista, e em sua sentença foi considerado um militante cujas atividades não redundaram em mortes ou em qualquer ato terrorista. Em 1981, Battisti fugiu da prisão. Esteve na França e fugiu para o México onde passou a viver como escritor e editor de uma revista;
6. Em 1982, Pietro Mutti, fundador do PAC (Proletários Armados para o Comunismo), utiliza-se dos benefícios da Lei dos Arrependidos para imputar a Cesare Battisti a responsabilidade pelas atividades do grupo;
7. A partir da Doutrina Mitterrand, que garantia o asilo e a não extradição de perseguidos políticos, Battisti solicitou e obteve asilo na França. Lá constituiu família e continuou a escrever e a denunciar as ações perpetradas pela extrema-direita da Itália, durante os anos de chumbo. A Itália solicitou à França a extradição de Cesare Battisti. O pedido foi denegado;
8. Já com cidadania francesa, Cesare Battisti teve novo pedido de extradição feito pelo governo de Silvio Berlusconi, sob o argumento de que havia sido condenado à prisão perpétua na Itália e à revelia, por homicídios que teria praticado quando integrava o grupo de ações armadas;
9. A imprensa Italiana noticiou que o Governo Francês teria trocado a extradição dos refugiados políticos italianos pelo voto da Itália no Tratado Constitucional Europeu, pela autorização de que a TGV operasse no trecho Lyon-Turim e pela aquisição de Airbus pela Itália.
10. O segundo pedido de extradição foi deferido e, com receio de vir a ser morto nas prisões italianas, Cesare Battisti fugiu para o Brasil.
11. Atualmente responde a Processo de Extradição junto ao STF.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias compreende que o pedido de extradição de CESARE BATTISTI rompe com todo o garantismo penal.
A Legislação Brasileira é clara quando normatiza a extradição, tal qual o faz no Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), artigo 77, incisos III e VII, in verbis:
"Não se concederá a extradição quando:
(...)
III – O Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
(...)
VII – o fato constituir crime político";(O grifo é nosso)
A Carta Magna Brasileira veda a extradição motivada por crimes políticos e estatui que, neste país não haverá penas de morte ou de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, "a" e "b"). Tal reciprocidade não se encontra no Tratado de Extradição estabelecido entre as Repúblicas do Brasil e da Itália e objeto do Decreto nº 863, de 09 de Julho de 1993.
Recentemente, o posicionamento do então Ministro da Justiça, Clemente Mastella, comprova a pretensão da Itália em manter em cárcere perpétuo o escritor Cesare Battisti. A confirmação é publica e consta da edição de 11/10/2007, às 19h32min, do jornal eletrônico il Giornale.it. Nele, Mastella explica que sua afirmação às autoridades brasileiras de que Battisti não seria penalizado com pena perpétua tratava-se, em verdade, de um estratagema para garantir a extradição do mesmo. A matéria noticia que o Ministro Italiano asseverou que Cesare não receberia nenhum benefício penitenciário.
Os crimes contra a humanidade, terrorismo e tortura, sábia e prudentemente têm sido julgados pelo Tribunal Penal Internacional. Justifica-se tal prudência capitaneada pelo Direito Internacional Público, face aos conflitos entre as forças internas dos países.
Desse modo, entendemos que, em razão do tempo e do contexto histórico em que o senhor CESARE BATTISTI se encontrava, não se justifica mais a tentativa de lhe imputar prisão perpétua e, possivelmente, risco de morte dentro de cárceres italianos, sob o pretexto de se fazer justiça ou possível reparação social, histórica e moral naquele País, até porquê a princípio foi julgado e condenado por crime de subversão e não de terrorismo ou homicídio. A acusação posterior de homicídio adveio após sua fuga para o México e a utilização das benesses da Lei dos Arrependidos por Pedro Mutti, ex-chefe da organização na qual Battisti militara.
Assim, a CDHM confia na avaliação prudente, serena e racional do CONARE, composto de pessoas públicas com larga experiência em questões dessa natureza. Sem dúvida, saberão agir à revelia das paixões ideológicas e subjetivas latentes no pedido de extradição, bem como possíveis interesses políticos de ocasião, e decidirá sob o manto dos preceitos constitucionais, dos princípios e tratados internacionais dos direitos humanos e da racionalidade jurídica.
Brasília, 03 de setembro de 2008.
Deputado POMPEO DE MATTOS
Presidente
Postar um comentário