16 novembro 2008

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Cúpula sobre Mercados Financeiros e Economia Mundial



Washington D.C./EUA, 15 de novembro de 2008

Um agradecimento inicial ao presidente Bush pela acolhida que nos está sendo dispensada. Quero, sobretudo, felicitá-lo pela iniciativa de convocar esta reunião.

Uma grave crise se abateu sobre a economia global. Ela atinge não só a esfera financeira, como começa a afetar seriamente os setores produtivos. A desaceleração econômica de umas poucas semanas atrás está se transformando perigosamente em recessão.

Ao longo dos últimos anos, muitos países, dentre eles o Brasil, se empenharam em estabilizar suas economias, ao mesmo tempo em que retomavam o crescimento e desenvolviam ambiciosos programas de inclusão social e de redução da pobreza e das desigualdades.

Todo esse esforço, resultante de forte mobilização social e política em nossos países, está hoje ameaçado por uma crise que não criamos. Ela nasceu nos países centrais. É fruto da ganância de irresponsáveis especuladores e – tenho de dizê-lo com franqueza – da absoluta falta de mecanismos sérios de regulação dos mercados financeiros.

Sobraram conselhos, de supostos especialistas, para os países pobres e em desenvolvimento. Faltaram esses mesmos conselhos para os países ricos, a despeito dos sinais de descontrole financeiro que se avolumavam há tempos.

Hoje estamos reunidos para reduzir os efeitos dessa crise que se espalha por toda a economia mundial. Mas também temos de buscar soluções duradouras para as graves dificuldades que estamos enfrentando. São necessários mecanismos de controle e supervisão das finanças mundiais. Para tanto, precisamos mudar a forma pela qual a economia global é governada pelas atuais instituições multilaterais.

A realização deste encontro mostra que a comunidade internacional tem consciência do grave momento que vivemos e do que nele está em jogo. É um primeiro e positivo sinal de que as soluções têm de ser coletivas.

Saúdo as muitas iniciativas tomadas nas últimas semanas para combater os efeitos imediatos da turbulência internacional. Elas impediram que, no curto prazo, o pior viesse a ocorrer. Mas necessitamos de respostas estruturais para impedir que a crise financeira contamine definitiva e irremediavelmente a economia real. E as necessitamos com urgência. Somente assim impediremos que o pânico que afeta os mercados acabe por agravar mais ainda a crise, tornando-a irreversível. É fundamental estabelecer mecanismos de vigilância e de regulamentação do mundo financeiro.

Em São Paulo, na semana passada, apresentei aos ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais lá reunidos, alguns princípios que quero aqui reiterar:

- A necessidade de restabelecer a representatividade e a legitimidade das instituições financeiras multilaterais;
- A importância de resolver nossos problemas por meio de ações coletivas;
- A regulamentação adequada dos mercados financeiros e a responsabilidade que cada país tem de não transferir riscos e custos a outros países, sobretudo aos mais pobres;
- Falei também da transparência que devem observar os agentes financeiros;
- Concluí mencionando a necessidade de prevenção que deve presidir a ação de governos e instituições para evitar novos episódios de crise. Mas é essencial a reativação dos setores produtivos.

No Brasil, não vamos abdicar de nosso Plano de Aceleração do Crescimento que envolve US$ 250 bilhões de investimentos até 2010. Nossa receita contra a crise é expandir nosso mercado interno. Precisamos de mais produção, mais emprego, mais inclusão social.

A comunidade internacional não pode, por outra parte, reduzir os programas de ajuda, sobretudo aos países mais pobres. Uma das medidas mais eficazes que podemos adotar para evitar que a crise se alastre mais para a economia real, será a pronta conclusão da Rodada de Doha. Ela indicaria a decisão de uma ação global coordenada, que injetaria confiança nos mercados e conteria o surgimento de tendências protecionistas.

Senhores chefes de Estado e de Governo, precisamos não só estancar a crise no imediato, como impedir que ela venha a se repetir no futuro. Tenho dito de forma enfática que chegou a hora da política.

Evidentemente, são necessárias soluções técnicas. Temos de restabelecer a liquidez e a confiança no sistema financeiro. Mas é essencial uma decisão política. É preciso aumentar o grau de coordenação na adoção de medidas anti-recessivas. Para tanto, precisamos construir uma nova governança em matéria de finanças internacionais.

Os organismos multilaterais existentes e as regras internacionais vigentes foram reprovados pela história. Tanto o FMI como o Banco Mundial devem se abrir para uma maior participação das economias em desenvolvimento. Isso significa mais voz, representação e voto para os países em desenvolvimento. Só assim poderemos garantir uma efetiva supervisão e regulação dos mercados financeiros nos níveis nacional e internacional.

Espero que este encontro seja o início de um processo que terá como tarefa atacar os efeitos mais imediatos da crise e preparar a volta a um crescimento sustentável. Os olhos de grande parte da Humanidade estão postos sobre nós.

Por essa razão, proponho que esta instância seja alçada à condição de um foro permanente de chefes de Estado e de Governo para produzir propostas que ajudem a debelar a crise e a construir uma nova arquitetura financeira global.

Além das medidas substantivas aqui apresentadas, quero propor a criação de Grupos de Trabalho para se ocuparem de temas concretos, com prazos publicamente definidos para apresentarem suas propostas.

Nossas próximas reuniões terão de ser apoiadas por uma reflexão comprometida com a solução da crise, especialmente em benefício dos setores mais vulneráveis da população mundial.

A crise não pode ser vista apenas, nem principalmente, como um conjunto aterrador de números, de estatísticas. Antes de tudo, a crise representa ameaças concretas à vida de milhões de homens e mulheres, perda de empregos, diminuição de renda, aposentadorias comprometidas, mas, sobretudo, aniquilamento de expectativas em relação ao futuro.

Para que a esperança possa vencer o medo, temos de estar à altura dos graves desafios do momento atual. É nessas horas difíceis que afirmamos nossa liderança, que correspondemos plenamente à confiança em nós depositada.

Muito obrigado.

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