22 outubro 2007

O que temos em comum com a Turquia?


Na última sexta, logo que terminei de ler o livro A Mosca Azul, do Frei Betto, engatei a autobiografia de Ayse, “Ninguém me perguntou” (Mich hat keiner gefragt). Da realidade político-partidária brasileira pulei para os problemas da família, mulher e violência doméstica, na Turquia, e sua exportação para a Alemanha.

Os livros contando histórias de mulheres muçulmanas são algo novo na literatura alemã. É um filão que tende a crescer. A venda tem sido grande. Afinal, não é todo dia que as muçulmanas estão dispostas a tirar o véu, ou Kopftuch (pano de cabeça), para o mundo Ocidental.Véus que lhes cobrem não só as cabeças, mas também seus segredos. Dentre as que ousam mostrar a verdade oculta atrás das longas mantas que lhes escondem os corpos, também, muitas são assassinadas por seus maridos, pais e irmãos.

Ayse conta que nasceu na Anatólia, região extremamente pobre da Turquia. Localizada nas montanhas próximas do Iraque, é a área atual do conflito entre turcos e curdos. Dali foram exportadas as primeiras levas de turcos para a Alemanha pós-guerra. Mão de obra barata, sem qualificação. Trabalhadores necessários para a reconstrução do país destruído pela guerra.

Aos quatorze anos foi obrigada a casar com seu primo em primeiro grau e a se mudar para a Alemanha.

Se nos primeiros anos de vida assistiu sua mãe ser violentada fisicamente por seu pai, Pashá da família, como ela mesma o denomina no livro, ao ser casada, aceitou, durante 20 longos anos, a reprodução do modelo familiar que aprendera na infância. Ao mesmo tempo em que sofrera vendo a mãe apanhar, achava ser natural sua realidade. Sabia que se tentasse sair da estrutura familiar, seria castigada. Seria rejeitada tanto pelo clã do marido como por sua própria família.

Ayse veio a se libertar por acaso. Depois de espancada a enésima vez, a ponto de ser hospitalizada, conheceu uma assistente social envolvida em projetos de proteção à mulher. Com seu apoio, Ayse decidiu quebrar a cadeia de sofrimento e humilhação.

Ontem, ao terminar de ler a história de Ayse, dei graças a Deus por viver na Alemanha, país com leis que protegem as mulheres.

As leis, não fossem as leis... Que bom que o Brasil também protege as mulheres... Que bom que os juízes aplicam as leis...

Qual nada. No momento que acabei de ler o livro, recebi um e-mail do Brasil com um texto da Folha sobre um tal de juiz chamado Edilson Rodrigues.

Segundo o jornal, o juiz considera inconstitucional a Lei Maria da Penha, assinada recentemente pelo Presidente Lula, contra a violência doméstica. O juiz confessou que o mundo é masculino e que a culpa de todos os problemas é da mulher. Todas as desgraças começaram com a Eva diabólica que induziu o ‘ingênuo’ Adão a comer a maçã e a descobrir o Conhecimento.

Parece que o juiz desconhece que se não fosse Eva, o homem não teria chegado aonde chegou. Estaria ainda no ‘paraíso’, pelado, pululando como um cabrito.

Se o juiz culpa Eva por ter desencaminhado o coitadinho do Adão, e reage contra as mulheres pelas mazelas dos homens, imagine quando ele descobrir a estória de Lilith. O homem vai se matar certamente.

Na cabeça do juiz, o Brasil deveria ter leis baseadas na charia muçulmana. E as mulheres, apedrejadas por seus Adãos.

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